A desnaturação africana e outras bobagens

A passagem de Gana para as quartas-de-final da Copa certamente são um fato positivo. Num Mundial no qual esperava-se muito das seleções africanas, Gana é a única que teve um grupo capaz de não dar vexame. Fracasso este que levantou a bola sobre de quem seria a “culpa” do  mau futebol africano nos mundiais. Resposta simples: deles mesmos.

Há um mito intenso sobre o jogador africano como sendo “excelente” e tendo características similares à do Brasil. As similaridades de fato são palpáveis. A cultura negra é uma das bases da identidade brasileira e o entranhamento rítmico, musical do africano na sua essência é gritante no brasileiro. Mas o jogador africano, apesar de frequentemente ter grande habilidade no que diz respeito ao controle de bola, raramente é um grande jogador, um praticante do esporte, coletivamente falando. Os grandes jogadores africanos de hoje e de sempre firmaram sua identidade acrescendo  à sua habilidade uma compreensão do jogo que adquiriram no exterior – desde sempre. De Eusébio a Essien, passando por Weah e Drogba, os africanos que se consolidaram foram os que aprenderam a colocar o talento em harmonia com o jogo. Dioufs, Midos, Okochas e Eto’os tiveram ou têm talento de sobra, mas olham para si antes de mais nada. No tênis, seriam fenômenos, mas no futebol são luxos dispensáveis.

Os africanos vivem a infância nas suas vidas futebolísticas por conta, em grande parte, de seu passado colonial. As estruturas burocráticas que se formaram no período colonial deixaram como herança governos corruptos, oligárquicos e semiditatoriais (ou ditatoriais). Não é de se estranhar  que as federações locais sejam igualmente corruptas ou feudais. Num ambiente assim, seria difícil imaginar que pudessem florescer organizações futebolísticas progressistas, capazes de evoluir.

Nem é preciso ir longe: o Brasil, apesar de estar conseguindo no passado recente se desvencilhar da supremacia da escória autoritária, ainda tem seu futebol dominado por uma estrutura viciada, corrupta, autoritária e oligárquica. Os avanços do futebol brasileiro como um todo vieram invariavelmente pelas mãos da sociedade e nunca pela cartolagem, que é uma representante legítima da escória autoritária mencionada antes. A África, que tem um histórico colonial semelhante mas muito mais recente e violento, não conseguiu o mesmo desenvolvimento do esporte como um todo. O futebol é um reflexo da sociedade (como por exemplo na questão do estilo discutida em outro post) e a africana ainda engatinha.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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