E a estrutura podre do futebol italiano segue ruindo…

Nos bastidores do futebol italiano, uma bomba-relógio montada há tempos está prestes a explodir e exibe por inteiro o princípio das chagas que corroeram o status quo do ‘calcio’. Aprovada uma nova regulamentação da lei antitruste, concluiu-se que na Itália não há concorrência pelas transmissões de TV, fato que acaba com as aspirações de qualquer país civilizado a se declarar “regido pelo livre mercado”. Qualquer semelhança com o binômio Globo-CBF não é mera coincidência.

Recapitulando: na Itália, a transmissão de futebol na TV aberta não existe. Só a estatal RAI (que é bem diferente da pública BBC, especifique-se) passa os compactos e melhores momentos dos jogos em dois programas dominicais, o “90º Minuto” e a “Domenica Sportiva”. Na TV a cabo, a Sky, pertencente a Rupert Murdoch, domina o mercado. Daí, uma pequena emissora especializada em programação pornográfica, a Conto TV solicitou à justiça o rompimento dos contratos de TV coma  Sky porque os mesmos representavam cartelização e opressão à concorrência. O mecanismo é igual ao que existe no Brasil, onde a Rede Globo domina pela sua força político-econômica e pela inexistência de concorrência competente o suficiente para montar esquemas de marketing que viabilizem a competição.

O ponto: a solicitação da ContoTV é mais que justa e a comissão antitruste do governo italiano tem de acatar o pedido. O problema é que se os contratos forem rompidos, a Lega Calcio, que agrupa os clubes da primeira divisão, perdem a receita de cerca de R$2 bilhões pelos próximos dois anos de campeonato. E diante da iminente decisão, os clubes vieram a campo dizer que o Campeonato está ameaçado porque os clubes não terão dinheiro para cumprir seus compromissos (algo que é a pura verdade, diga-se). Mais detalhes na edição de hoje da Gazzetta Dello Sport.

A parte que nos toca (“nos”, referindo-se aos apreciadores do futebol italiano) é que aí você começa a entender coisas. O Estado italiano tem uma legislação velha e empedrada, que impede a concorrência e se apoia fortemente na questão política para as decisões financeiras. Sim, O senhor Berlusca tem grande parte da realização deste quadro, mas a esquerda italiana também pouco fez para desentravar a economia e modernizar o Estado. Dessa forma, empreendedores de pequeno porte que não fazem parte da “máfia” (entre aspas pois a referência não é à organização criminosa e sim à organização informal entre poderosos, que existe em todos os países), não têm chance, são natimortos. É isso que a ContoTV exige que acabe.

Os clubes, que têm o rabo preso até a Lua com os contratos bilionários de TV, saem em defesa da TV por conta da própria incompetência. Não são capazes de formar receitas em campos que exigem bons profissionais (como patrocínios, merchandising e afins) e se apegam à TV – exatamente como aqui. A Itália é a grande liga europeia que mais depende da TV (mais de 60% do dinheiro vem dos contratos de transmissão, situação na qual o Brasil está ainda mais comprometido). Logo, a solução passa pelo caos, porque se não vem o dinheiro da TV, os clubes ameaçam parar, mas na verdade, eles pararão pela incompetência gerencial.

A ContoTV não está falando sério ao pensar em comprar os direitos de transmissão via stélite da Série A (provavelmente está servindo de testa de ferro para outro grupo), mas a reivindicação é justa. Por conta disso, a argumentação de clubes-Sky visa desmerecer a credibilidade da emissora pornô. Mas se a reivindicação é justa, porque uma pessoa “menos” séria solicita, deve-se recusar? O castelo de cartas do establishment podre do futebol italiano está ruindo, seguindo a derrocada de Luciano Moggi, que era o seu artífice supremo. É como o fim da escravidão no Brasil. Ao se retirar uma engrenagem podre do sistema, ele para de funcionar – porque também está podre  – e só uma nova geração pode resolver. Com Berlusconis, Morattis, Gallianis e Sensis? Difícil.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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