Estou com Dunga.

Não creio seja segredo da minha parca admiração pelo técnico Dunga. Acho que ele é mal-educado, autoritário, subserviente a uma entidade que representa o que há de pior no futebol brasileiro –  de longe o pior problema do nosso esporte – e que tem tido sucesso porque trabalha com um grupo de qualidade estupenda. Mas mesmo assim, nesta semana, estou com ele e não abro.

Me parece que Dunga foi forçado a chamar a polícia por conta da atividade de um grupo pseudo-humorístico da escola “”mundo-cão” de humor – aquela que submete pessoas a vergonhas públicas sob o pretexto de “atender às vontades da população”. O técnico, estando na sua casa, tinha uma equipe de pessoas extremamente limitadas mental e intelectualmente que ficaram importunando-o alegando uma bobagem, a de perguntar por que ele não convocava Neymar. Dunga chamou a polícia e a algazarra diminuiu.

Por partes: os primatas de terno que bolaram o programa p0deriam responder, antes de mais nada, por que razão os apresentadores que tristemente se acham engraçados não foram até as casas dos bispos da “igreja” dona da emissora paulista responsável pela “atração” questionar os mesmos em relação ao sem-número de acusações de corrupção, exploração e sonegação relacionadas com o supermercado da fé. Depois, poderiam dar os seus argumentos, se conseguissem balbuciar mais de três sílabas, justificando a invasão na casa do técnico com uma pergunta tão imbecil. Por fim, poderiam também explicar, desde que contivessem a salivação intensa, por que exigiam a presença de um jogador de um time paulista – lugar onde a emissora tem a maioria esmagadora da sua arrecadação publicitária – e não de uma equipe de um outro estado qualquer.

A modalidade de humor escatológico e invasivo inaugurado por outra trupe de débeis mentais anos atrás é uma doença inerente à nossa época. Se dá audiência (leia-se dinheiro), deve ser bom. Assim, também deveriam se justificar o tráfico de drogas, execuções ao vivo na TV, corrupção endêmica, venda de armas para países em guerra civil e similares. É uma lógica doente, de gente sem princípios (o que não tem nada a ver com ideologia) e que reflete bem o desserviço que as emissoras – que vivem gratuitamente de uma concessão da sociedade – prestam à população. “Ah, mas é engrçado!”, dirá um incauto. Sim. As vezes, é, da mesma maneira que às vezes, ver alguém pagar um mico, ser humilhado ou uma piada racista também podem ser. Só que vai um abismo entre isso acontecer particularmente e diante das câmeras. Resumindo, é lixo, na avaliação mais construtiva.

Sobre Neymar, creio que a tentativa imbecil dos pseudohumoristas possa ter enterrado definitivamente as chances de convocação do santista. Nem acho que ele não mereça uma chance na Seleção, mas a época de ele ter demonstrado o atual futebol foi no Brasileiro de 2009, no qual ele se apagou. Para ele, como jogador, é melhor que mature para a Copa de 2014. Um grande jogador precisa de tempo e de adversários duros. Neymar não teve nenhum dos dois, por mais que tenha uma técnica assombrosa. No fim, os dementes “humoristas” talvez tenham até ajudado-o dificultando sua convocação.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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