Unindo o ridículo ao desagradável

O futebol brasileiro, como todas as coisas passionais, tem momentos ridículos. Exemplo: o Flamengo indicando Washington Rodrigues para ser treinador. Eurico Miranda invadindo o campo em um jogo do Vasco para intimidar o árbitro. O Cruzeiro chamando 2003 de “Tríplice Coroa” porque ganhou o poderoso campeonato mineiro (assim, com minúsculas mesmo). A tal da estratégia da “Conversão Tricolor” para fazer pessoas mudarem de time. Patético.

Contudo, acho que o Palmeiras, com apoio de Santos, Botafogo, Bahia e Fluminense, conseguiram uma nova marca em presepadas ao propor que se unifiquem os títulos brasileiros aos de competições pré-1971. Concordo com a argumentação de Mauro Cezar Pereira feita aqui, onde ele desqualifica a unificação, mas vou além. As diretorias desses clubes estão rebaixando a sua história ao tentar uma “equiparação” com outros times.

Digamos que, da noite para o dia, o Botafogo e Bahia passassem a ser bicampeões brasileiros. Ou o Santos a ser octacampeão (nossa, que impressionante)?. O que mudaria na atual situação desses dois clubes além das estrelas na camisa? O Botafogo se livraria da sua dívida astronômica de mais de R$ 200 milhões e contrataria Gerrard e Mourinho? O Santos encamparia o Manchester City para levar Robinho de volta à Vila Belmiro? O Bahia retornaria à primeira divisão e a Fonte Nova não teria matado os torcedores em 2006? Não. Além do discurso digno de pena dos dirigentes, que iriam arrotar aos quatro cantos que “conseguiram mais tantos títulos para seus clubes”, nada mudaria.

O primeiro título inglês – o mais antigo em modelo de liga no mundo – foi conquistado com 22 jogos, em 1889 e todos os times filiados à liga inglesa participaram. Para se ter uma idéia de como a iniciativa é digna de pena, as cinco conquistas da Taça Brasil que o Santos quer igualar aos títulos brasileiros foram conquistados com um total de 24 jogos (ao todo)– pouco mais de um turno do atual Brasileirão.

Como argumenta Mauro Cezar Pereira, a Taça Brasil é muito mais parecida com a Copa do Brasil. Por exemplo: entre os participantes da primeira edição estavam Auto Esporte-PB, Ferroviário-MA, Manufatora-RJ e Rio Branco-ES, mas só o Vasco da Gama dos times do Rio. No ano seguinte, Capelense-AL, Santa Cruz-SE, Paula Ramos –SC, Fonseca-RJ e Estrela do Mar-PB competiram, mas nenhum grande clube além de Grêmio, Fluminense e Palmeiras (o Cruzeiro ainda engatinhava em Minas). Esses times pequenos são parecidos com os Pirambús, Rondonópolis e Corinthians-AL que a Copa do Brasil tem hoje. Em relação ao Robertão, a unificação ainda é controversa e ao meu ver, inadequada. De qualquer maneira, o bi do Palmeiras e os títulos de Santos e Fluminense pelo menos tiveram uma quantidade de partidas menos absurda para a conquista do Brasileiro: 19 ou 20 jogos. Além disso, era disputado quase só por times grandes. Curiosamente, como o Brasileiro de hoje, também não tinha final.

A proposta é um engodo. Se falou que há um dossiê de 200 páginas defendendo sua adoção, mas vindo de quem vem, certamente se trata de lixo jurídico. Por trás dessa tentativa esdrúxula, não há nada de esportivo: é cartolagem. E cartolagem baixa.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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