Scolari e a linguagem do medo

Todo mundo há de falar agora sobre a demissão de Scolari (até este blog). Especialmente no Brasil. Aparentemente o gaúcho foi enredado por uma trama de intrigas entre seus jogadores e acabou caindo por causa da falta de comprometimento deles. Mas não foi isso. Scolari caiu por sua própria responsabilidade.

Não, não há nenhuma crítica à competência de Scolari aqui. O ponto é que trairagem de jogador, o bicampeão da Libertadores já deve ter visto de todas as cores: desde o Grêmio até o Chelsea, duvido que Felipão tenha sido surpreendido por alguma atitude que ateste a falta de confiabilidade dos atletas.

O erro de Scolari aconteceu na assinatura de seu contrato. Apesar de ser um treinador excelente, Luiz Felipe subestimou alguns fatores culturais do futebol inglês, deixando alguns itens ao acaso ou sem a devida atenção.

O primeiro e mais óbvio diz respeito às contratações. Felipão herdou um time mais fraco do que em anos anteriores e nos nomes que ele queimou cartuchos, levou jogadores de sua confiança, como Deco e Bosingwa. Só que Deco não é jogador para carregar um time nas costas (especialmente se o time não quiser jogar) e Bosingwa bem menos que isso. Ao mesmo tempo, levava um nome multi-famoso para um setor que já tinha dois medalhões supervalorizados, Ballack e Lampard – este último, com o agravante de ter forte influência no vestiário. Pior ainda foram os “remendos” feitos por Felipão, como Mineiro e Quaresma. O primeiro não tem como jogar como titular nem no Wolfsburg (imagine no Chelsea); o segundo, é um jogador que aos 23 anos, já “flopou” como promessa em quatro clubes.

Segundo, Scolari tentou partir de um elenco montado. Um elenco que ganhava salários muito maiores do que suas capacidades mereciam, com muitos jogadores para várias posições e poucos para outras. Exemplos: Terry e Ricardo Carvalho fazem uma dupla defensiva excelente. Mas como ficam Alex e Ivanovic? Como fazer conviver Drogba e Anelka, dois goleadores, mas de características muito similares e com um caráter abaixo da crítica?

Taticamente, Scolari teria obrigatoriamente de fazer Ballack e Lampard esquentarem o banco, se era o caso de Deco jogar como titular, para assim poder armar o jogo com dois pontas abertos “a la Euller” e dois marcadores vorazes. Mas Scolari sabia desde o começo que não dava para colocar Ballack e muito menos Lampard no banco. E a tentação de tentar fazer o que não pode ser feito venceu.

Terceiro: Scolari, por não conhecer suficientemente a Inglaterra, acreditou que levar seu assessor de imprensa para a Grã-Bretanha fosse suficiente, mas não era. A assessoria de imprensa do técnico é muito mais famosa pelos atritos que consegue com jornalistas ao marcar entrevistas para seus “assessorados” do que outra coisa. E a mídia inglesa é um assunto à parte.

Dar certo na Premier League teria sido muito difícil, mesmo com o cuidado necessário: um tradutor desde o primeiro dia e principalmente uma assessoria de imagem, que todas as estrelas na Inglaterra têm. Não se trata de marcar entrevistas, mas mapear cuidadosamente os perigos (leia-se inimigos) que Scolari poderia fazer para diminuir a quantidade de ataques sofridos. Para lidar com a mídia brasileira, a assessoria de imprensa de Scolari basta, mas com a inglesa, não dá mas nem de MUITO longe.

Scolari teria de ter imposto algumas condições no Chelsea, além do supersalário: refazer o elenco, vendendo pelo menos 30/40% do grupo, um ano de “carência” de títulos e aposta em jogadores mais novos e fortes técnica e fisicamente do que Deco e Mineiro. O seu estilo pautado em comprometimento e caráter dá certo com jogadores que o conhecem – e mais que isso, o temem e que depois, podem vir até a ter uma relação de amizade. Caras como Terry, Lampard e Drogba acham que o gaúcho é um zero à esquerda e que nada pode atingi-los.

Felipão, como Luxemburgo, fracassou na Europa dos clubes porque não exigiu o suficiente: poder total para poder impor o terror e enquadrar quem fosse necessário sem ter de dar satisfação a ninguém. Luxa é respeitado no Palmeiras porque seus jogadores sabem que ele pode ferrar as suas carreiras. No Chelsea e no Real Madrid, os dois treinadores estavam “tendo uma oportunidade”. No Brasil, eles mandam. E essa diferença, é a única linguagem que 90% dos jogadores respeitam. A linguagem do medo, no futebol, é a única que leva a algum lugar quando o assunto é não ser trairado.

PS: e como escreveu Lédio Carmona no seu blog, Dunga que se cuide…

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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