Falta inteligente, não. Falta de inteligência

Uma palestra do treinador Roberto Fernandes nesta semana gerou uma certa discussão, como sempre entre a encheção de saco do “futebol-arte” ou do “futebol de resultados” e assim vai.

Ninguém (pelo menos não que eu tenha visto) se deu conta de outros detalhes, como por exemplo, a palavra “blitz” escrita com “s” (“blits”) no PowerPoint da apresentação do técnico. Mas tudo bem, né? Se até GC de matéria de TV sai com erro de ortografia, como exigir português correto de um treinador?

Tecnicamente, o discurso de Roberto Fernandes (que, sim é o que fazem todos os treinadores do Brasil) de assumir que tem de parar a jogada com falta para evitar contra-ataque é uma clássica distorção de uma leitura de estatística.

A estatística diz: “time que faz mais falta ganha jogo”. Mas isso não é verdade. O que ganha jogo é o time que faz mais desarmes. Em muitos casos, por conseqüência de uma maior aplicação na marcação, alguns times que ganham fazem mais faltas. Mas é um defeito, um erro de fundamento. Se o desarme fosse bem executado, não seria necessário fazer a falta.

O treinador do Náutico, que na sua passagem pelo Atlético-PR deu diversas declarações infelizes para mostrar “determinação” (como “treino é jogo e jogo é guerra”, coisa que, diga-se de passagem, o Náutico é useiro e vezeiro de fazer nos aflitos), comete o erro que quase todo treinador faz e assim, não pode ser condenado.

Agora, vir com um termo chamado “falta inteligente” é de um desafio à lógica. Imagine “erro bem-feito”, ou “palhaçada séria” ou então “crueldade suave”. A não ser em um discurso poético, termos antagônicos não têm como ser usados ao mesmo tempo.

Não existe falta inteligente. Se ocorre uma situação na qual o jogador precisa fazer uma falta obrigatoriamente, é porque houve uma falha: ou uma falha no desarme, ou uma falha na marcação, ou uma falha na cobertura e posicionamento.

Por exemplo: o meio-campista rouba a bola do volante adversário e se posiciona para puxar um contra-ataque. Se ele não tiver mais nada entre ele e o gol ou ele e o zagueiro, além do volante que perdeu a bola, o posicionamento do time que tinha a bola falhou. Teve de fazer a falta? Tudo bem, mas falta inteligente o escambau. É tentar exibir uma besteira como se fosse uma virtude. De novo, desafio à lógica.

Parte da má interpretação vem porque poucos treinadores (poucas pessoas, aliás) lêem estatísticas cruzando as informações e não somente vendo os números mais óbvios. Outro fator é que dá muito mais trabalho ensinar o jogador a melhorar o desarme, aperfeiçoar o passe e treinar o posicionamento. Como diz o Capitão Nascimento em “Tropa de Elite”, “correr atrás dá muito mais trabalho”. Dá mesmo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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