Abel Ferreira, Guardiola e guardiolices

Abel Ferreira é realmente “defensivista”? Pep Guardiola é realmente ultra-ofensivo?

No último domingo, o técnico português Abel Ferreira retomou sua “aura” perante público e imprensa esportiva brasileira, após Palmeiras obter virada histórica diante do rival São Paulo, na partida de volta da final do Campeonato Paulista 2022. A equipe alviverde é a campeã do torneio.

Com Tite já tendo anunciado que não prosseguirá no comando técnico da Seleção Brasileira após Mundial 2022 no Catar, Abel, que acabou de estender vínculo com o Palmeiras até 2024, tem nome relacionado à CBF, bem como Jorge Jesus (também português, desempregado, ex-Flamengo) e agora, Pep Guardiola (espanhol, atualmente no inglês Manchester City).

Como alguns jornalistas tem dito, há a moda de treinadores estrangeiros no futebol brasileiro. No entanto, o dito “resultadismo” tupiniquim é o que mantém Abel Ferreira em seu posto e o que ainda mantém a “aura sacra” sobre Jorge Jesus, dada a passagem vitoriosa pelo Flamengo em 2019.

Contraposto a isso, poucos maus resultados em início de temporada 2022 já determinam rodamoinhos ao redor dos trabalhos recém iniciados dos portugueses Vítor Pereira (Corinthians) e Paulo Sousa (Flamengo). Ambos possuidores de currículos mais expressivos que o de Abel Ferreira.

Abel é “defensivista”?

O sofisma propagado pela imprensa futebolística tupiniquim recente, é a “máxima” de que Abel Ferreira ostenta proposta “defensiva impenetrável”. Preocupação com sistema defensivo parece algo novo para o futebol que se pratica no Brasil. Mas trata-se do convencional, no futebol europeu presente.

O espanhol Atlético Madrid do técnico argentino Diego Simeone, é mais defensivo que o Palmeiras, tendo sido criticado até pelo veterano treinador italiano Arrigo Sacchi (ex-Milan, seleção italiana), conforme veiculado a pouco pelo jornal espanhol Marca.

Sacchi fez história no Milan, da virada dos anos 1980 para os 1990, auge do futebol pragmático na Itália. O técnico italiano afirmou que Simeone propõe um “catenaccio de 60 anos atrás”, o qual não causa prazer no espectador, nem quando obtém vitória.

O sistema defensivo do Palmeiras de Abel é tão organizado que se faltar uma peça, desmonta, como se viu na partida de ida da final do Paulistão (30 de março); a “inexplicável” vitória por 3×1 imposta pelo São Paulo. Abel teve desfalque do jovem volante Danilo, na ocasião, o que determinou recomposição ineficiente quando o time perdia a bola.

Detendo posse de bola, o Palmeiras se desenha em 4-3-3, com o meia Raphael Veiga recuado, centralizado entre o trio de meio-campistas (3 central do 4-3-3). A triangulação/cobertura entre Veiga e o lateral-direito Marcos Rocha (idade avançada, defensivamente pouco eficiente), é feita por Danilo. A combinação faz-se ofensivamente perigosa ao adversário quando Dudu se desloca pelo flanco direito. Com Danilo de volta o Palmeiras impôs 4×0 no São Paulo.

Não se procura comparar peças aqui, mas sim dinâmica e posicionamento. Abel recuou Veiga, meia ofensivo de formação desde seu início no futebol parananese (Coritiba, Atlético PR); da mesma forma que Pep Guardiola recuou o meia belga Kevin De Bruyne, quando chegou ao Manchester City em 2017.

Na última terça-feira, o Manchester City obteve vitória suada sobre o citado Atlético Madrid, dentro do Etihad Stadium, em partida de ida das quartas de final, da Champions League 21/22.

O gol único foi marcado por De Bruyne, vindo de trás, após jogada de Phil Folden, aberto pelo flanco direito. O que Guardiola propõe em vanguarda é o mesmo que Abel Ferreira tem feito no Palmeiras.

Guardiola é extremamente ofensivo?

Após deixar o Barcelona em 2012, Pep Guardiola propôs “invencionices” no FC Bayern e no início de seu caminho em Manchester. Na Alemanha, Guardiola chegou a usar laterais no miolo de zaga (Alaba, Contento, Badstuber) e volante recuado para linha defensiva (Javi Martínez). Além de ter tentado utilizar Thomas Müller como meia, o que não deu certo, algo relatado no famoso livro “Guardiola Confidencial” de Martí Perarnau (editora Grande Área).

No início de seu trabalho no City, Guardiola recuou De Bruyne e um já veterano artilheiro David Silva ao redor de Fernandinho no meio-campo, que por sua vez, era deslocado para zaga em algumas situações. Mas Pep seguiu com “experimentos” deslocando Kolarov (lateral esquerdo) para o miolo de zaga e John Stones (zagueiro central) para lateral direita. Em maio próximo completa-se 11 anos sem títulos de Champions League para o bicampeão europeu Guardiola.

Em contraparte porém, Guardiola voltou a valorizar volantes marcadores e até usou linha defensiva com três elementos mais fixos e apenas um lateral avançando, sobretudo, no mata-mata da última edição da Champions League, em que acabou vice-campeão.

Na final perdida para o Chelsea em maio de 2021, não houve falha defensiva, mas Guardiola mostrou-se refém do talento de De Bruyne, que abandonou o campo após choque de cabeça com adversário.

Não havia peça de reposição equivalente para De Bruyne, mas muito da boa campanha e segurança defensiva do City se deve a presença de Rodrigo “Rodri” (53 partidas temporada 20/21, 35 jogos na atual). Rodri é um jovem volante espanhol de 1,91 m. que Guardiola ordenou trazer da base do…Atlético Madrid!

Voltando ao presente, Guardiola expressou resignação no pós-vitória sobre o Atlético Madrid, na última terça-feira, afirmando ser impossível atacar equipe que “se defende com duas linhas de cinco homens”. O time de Simeone de fato o proporciona, quando recompõe sem posse de bola, variado 5-3-2 e as duas linhas de cinco homens, enquanto curiosa variação para o 4-1-4-1.

Guardiolices

Esta semana que se encerra iniciou-se com a imprensa inglesa alardeando um “overthinking” tático de Guardiola, supostos excessos de preciosismo de planejamento do técnico espanhol, em partidas decisivas de mata-mata. Ao ser questionado sobre o “overthinking” (algo como “pensar demais”) na coletiva pré-jogo de City 1×0 Atlético, Guardiola riu.

No Brasil, a imprensa futebolística tupiniquim transformou uma matéria do espanhol Marca em “caça cliques”, ao repercutir suposto interesse da CBF no trabalho de Guardiola para depois do Mundial de 2022.

Pep já teve tempo de negar publicamente qualquer pretensão neste sentido, inclusive. O Marca não alardeia alguma grandiosidade em se estar na seleção brasileira, mas sim o súbito interesse dos brasileiros decadentes, num treinador oriundo do futebol espanhol.

Já observar traços do trabalho de Pep Guardiola na forma de Abel Ferreira propor seu futebol, é sagacidade inédita. É “guardiolice” exclusiva deste que vos escreve.

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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