Os dois desenhos de um começo hesitante em Milão

Não havia modo de a pré-temporada ser mais diversa para cada canto da Milão futebolística. Enquanto o Milan via agonizar uma gestão natimorta e mal-explicada, podendo até mesmo perder uma vaga na Europa League (que deixou de ser sinônimo de fracasso para ser uma meta), a Inter se inebriava com um mercado muito ativo, candidatando-se a rivalizar com a heptacampeã Juventus. Duas rodadas depois. os profetas do apocalipse já esquentaram suas trombetas e confirmam o que “já tinham dito”.  No choque de realidade, o Milan se sai ligeiramente melhor: com ambições muito mais modestas, Gattuso pode até mesmo montar um bom time – desde que ele mesmo não vire o bode expiatório de Leonardo.

Continuando com a sponda rossonera: os problemas de Gattuso são sanáveis de um modo relativamente fácil. Pressupondo que Rino consiga substituir Biglia com Bakayoko (autor de uma participação péssima na estreia) ou com o desgraçado ex-capitão Montolivo, o quarteto ofensivo com Suso, Çalhanoglu, Bonaventura e Higuain pode competir em igualdade de condições com qualquer adversário, naturalmente excetuando-se a Juventus.

A impressão que o Milan de Gattuso dá é a de que só consegue fazer uma coisa bem – atacar ou defender, mas o problema é abordável. A versatilidade de Bonaventura permite que ele atue mais recuado, deixando o espaço mais próximo da área a Çalhanoglu. Contudo, para isso, é preciso que Kessié tenha um companheiro tão forte fisica e tecnicamente quanto ele na marcação – exatamente o papel que Biglia ou Bakayoko têm de cumprir. Na estréia, os dois estiveram abaixo da crítica. O argentino ainda em versão Copa do Mundo e o francês em versão Chelsea Reserves. Ambos já mostraram que sabem jogar, mas não o fazem há algum tempo. Cabe a Gattuso resolver a questão ou Antonio Conte aguarda como um abutre.

No lado nerazzurro de Milão, a questão é mais complexa. O técnico Luciano Spaletti já faz parte do clube dos treinadores interistas que falam demais, e na pré-temporada, ele caprichou, chamando para a Inter toda a responsabilidade do mundo. O mercado da Inter foi bom, mas consumiu investimentos e exige tempo. Ao contrário do Milan, que têm a primeira fase de um torneio continental modesto, a Inter já deve ter de pegar pedreiras desde o primeiro dia n a Liga dos Campeões.

Dentro de campo, o defeito da Inter é bem mais difícil de se gerenciar porque não é técnico – é mental. A Inter- como o Brasil de Tite – tem uma infinidade de capitães sem liderança (basta pensar que Icardi, certamente o jogador mais sobrevalorizado da Itália carrega a faixa). Some-se a isso a incapacidade (histórica) interista de manter a concentração. O ponto mais forte da Juventus é o de ser quase imbatível quando marca primeiro em casa. A Inter é a nêmese juventina neste critério.

O segundo ponto é que com o mercado caro que teve nas últimas duas temporadas, a Inter não pode se dar ao luxo de jogar um futebol cauteloso. Todos os jogadores que ocupam a faixa central do meio-campo nerazzurro têm um DNA mais técnico do que de interdição, à parte o belga Nainggolan. O setor consegue armar jogadas, sim, mas desde que tenha a bola no pé. Ao enfrentar um adversário que recupera mais a bola do que os interistas, o time de Spaletti assiste a partida. “A questão é de mercado, então?”. Bem, este é o modo com o qual a Inter sempre tenta solucionar seus problemas, mas o ideal seria ter uma temporada de prazo para adequar jogadores válidos do elenco – Gagliardini, Asamoah e Valero são alguns exemplos – para o papel de carregar o piano. Esse era o papel da temporada passada, a de estréia de Spaletti e um calendário mais folgado. Agora, a Inter tem de matar um leão por jogo, mas fracassou nos dois primeiros.

 

 

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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