Seleção francesa: Deschamps e um labirinto para Messi

Our poetry of broken dreams/
An abattoir of time/
Death and the labyrinth/
Swallowed by earth itself
(At The Gates – “Death and the Labyrinth”)

Após fase de grupos sem atropelos nem imprevistos, a seleção da França vai de encontro à Argentina em partida válida pelas oitavas de final da Copa 2018. O confronto ocorrerá em Kazan (Rússia) neste sábado a partir das 11 horas (horário de Brasília).

A princípio apontada na Europa enquanto uma das favoritas ao título, a seleção bleu não provocou grandes alardes, mas classificou-se de forma convincente em primeiro lugar no grupo C. Foram 7 pontos com 2 vitórias e 1 empate em 3 partidas. Bateu a Austrália por 2×1, onde o uso do VAR foi a apoteose maior e venceu o Peru por 1×0, na segunda rodada.

Por fim realizou “jogo de compadre” (no bom português brasileiro) diante da Dinamarca (0x0), dadas as circunstâncias de pontuação, uma vez que o empate classificaria e classificou franceses e dinamarqueses.

As mãos de ferro de Deschamps moldaram a defesa

Tal qual durante a EURO 2016, o treinador Didier Deschamps promoveu rotações no time jogo a jogo. Seu modus operandi não mudou e seu intuito segue em busca de oferecer rodagem a todos os atletas, lembrando que alguns promissores ainda ostentam baixa faixa etária (Sidibé, Lemar, Tolisso, Fekir).

Em todo caso o sistema defensivo foi praticamente o mesmo em três partidas, tendo obtido seu ajuste final após a convocação definitiva. Com Lloris no gol, Deschamps alinha a linha defensiva com o até então pouco conhecido Benjamin Pavard (Stuttgart/Alemanha) mais Varane, Umtiti e a também surpresa Lucas Hernández (Atlético Madrid).

Nas laterais, Pavard (21 anos) avança mais com Hernández (22 anos) compondo função de terceiro zagueiro. O defensor do Atlético é utilizado por Simeone como opção mais defensiva à Filipe Luís ou mesmo na zaga.

Ao fim da preparação para a Copa, Deschamps acenava com o uso da dupla Sidibé/Mendy nas laterais, mas com Koscielny como defensor central. O zagueiro de perfil técnico, leve e pouco truculento, titular durante a EURO, se lesionou jogando pelo Arsenal na reta final da temporada, acabando por ficar fora da convocação.

A “invenção” criada por Deschamps deu uma variação defensiva em 3-4-3, que a equipe até então não possuía, adequada ao 4-2-3-1, 4-3-3 ou 4-3-1-2, neste último caso, tal qual visto durante a EURO com Dimitri Payet, que também acabou fora da lista para o torneio na Rússia.

Tal particularidade com aspecto italiano devido o uso de três defensores (Deschamps foi volante e atuou na Juventus) deixou N’Golo Kanté mais a vontade, fixo na cabeça de área. No inglês Chelsea Kanté atua tendo três defensores atrás de si, o que permite que ele avance sem se preocupar com sua própria cobertura.

Nas três partidas da fase de grupos viu-se maiores alterações na defesa apenas na partida contra a Dinamarca, em que a França já estava classificada. Deschamps alinhou Mandanda no gol, mais Sidibé, Varane, Kimpembe e Hernández. Mandanda e Kimpembe são reservas declarados. Sidibé perdeu titularidade para Pavard e Hernández saiu no início do segundo tempo conta os dinamarqueses, para Mendy ter minutos em campo.

Dotada de atletas de qualidade quando tem a posse de bola, a seleção da Argentina enfrentará uma defesa muito sólida. Varane/Umtiti são defensores rápidos, podendo se postar de forma adiantada. Kanté e Hernández não deixarão a recomposição ter menos do que quatro homens.

Caso Deschamps utilize Matuidi, o que é muito provável, a cabeça de área terá dois volantes marcadores (Kanté/Matuidi), sendo que ele Matuidi ocupa a faixa esquerda de campo. Será o setor menos vulnerável da defesa francesa, exatamente o flanco direito da Argentina, pelo qual Lionel Messi geralmente se movimenta.

Para a partida deste sábado, o jovem Lucas Hernández teve titularidade alardeada na véspera, pois Benjamin Mendy está vetado devido a lesão muscular. Jogando pelo Atlético Madrid, Hernández não ficará aterrorizado com Messi (Barcelona), pois o enfrenta cotidianamente no futebol espanhol.

O adversário

A capa do L´Équipe da última sexta-feira trouxe ilustração onde os defensores franceses tentavam parar Lionel Messi, ao centro da montagem. Um lapso mínimo de genialidade do camisa 10 argentino é o que os bleus gostariam que não se acendesse.

Capa do L'Équipe da última sexta-feira (reprodução)
Capa do L’Équipe da última sexta-feira (reprodução)

Em linhas gerais, teremos embate da equipe européia com coletivo técnico/mental forte, diante do time sul-americano com problemas estruturais (federação/comissão técnica) onde 10 atletas vão tentar não deixar o adversário jogar, restando ao mais talentoso deles a missão ingrata de encontrar a vitória. Trata-se da descrição exata das diferenças do futebol europeu e sul-americano, na visão de muitos europeus.

O técnico Jorge Sampaoli é figura decorativa imposta pela AFA nas últimas rodadas das eliminatórias sul-americanas durante 2017, após cerca de um ano em que os dirigentes argentinos tentaram arrancá-lo do espanhol Sevilla, sem dispor de quantia módica para pagar sua rescisão (cerca de 5 milhões de euros).

A Argentina se vale de núcleo formado por remanescentes do vice mundial de 2014, onde se elencam Mascherano (decrépito no aspecto físico/técnico mas moralmente inquestionável entre companheiros), Biglia, Agüero e Messi em maior escala, além de Di María e Higuaín mais Banega (que não jogou a Copa 2014), em menor escala.

O que conta é que Mascherano e Messi, atletas vitoriosos em Champions League, Agüero (vitorioso em algumas edições da Premier League) e Banega (bicampeão consecutivo da Europa League com Sevilla) são jogadores que decidem jogos. Num comparativo para nós brasileiros, é tipo o de liderança que a seleção do Brasil por exemplo, não possuí.

Num todo a Argentina é uma bomba relógio prestes a explodir, para o bem e para o mal. Classificou-se à força. Poderia ter sido eliminada de forma dramática antes do mata-mata, tal qual a Alemanha e caso saia atrás no marcador contra os franceses, pode por tudo a perder.

Entretanto, embora a França tenha grupo sólido tecnica/mentalmente, líderes morais (Lloris, Varane, Kanté, Matuidi, Giroud) e dois jogadores minimamente decisivos (Griezmann/Pogba), Deschamps só teria um equivalente a Lionel Messi, caso Zinédine Zidane ainda fosse atleta em atividade.

Onde se escondem os mitos

É possível afirmarmos que a figura do labirinto antecede a invenção da razão por filósofos como Platão e Aristóteles na Grécia do século IV a.C. A narrativa mítica de Teseu descrevia o labirinto em Creta, onde o herói contou com a ajuda da amada Ariadne, para demarcar a trajetória do labirinto com fios de novelo de lã, e não ser surpreendido pelo monstro Minotauro.

No entanto a figura arquitetônica engenhosa do labirinto talvez representasse o prelúdio da razão humana, figura à qual os escritores argentinos Ernesto Sabato e Júlio Cortázar, recorreram em diversas ocasiões em suas obras literárias. Para o sul-americano a engenhosidade européia ainda parece ser um enigma.

Tal qual a capa do L’Équipe, os defensores da equipe francesa de Deschamps serão as paredes sinuosas do labirinto. Lionel Messi porém estará sozinho. Não terá um novelo, nem Ariadne, mas talvez ele supere os Minotauros bleus, caso tenha a posse de bola…

França x Argentina jogam às 11 horas com transmissão ao vivo no Brasil de Globo, Sportv e Foxsports.

Imagem de Deschamps: marca.com

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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