Motörhead: “Bad Magic”, o epitáfio de Lemmy.

“You know I’m born to lose, and gambling’s for fools
But that’s the way I like it, baby
I don’t wanna live forever.”
(Ace of Spades – Motörhead)

O ano de 2015 terminou deixando um gosto amargo na boca dos fãs do rock pesado e principalmente nos fãs da banda inglesa Motörhead. Ian “Lemmy” Kilmister (1945 – 2015) compositor, baixista, vocalista e líder do conjunto, faleceu dormindo quatro dias depois de completar 70 anos de idade.

Ex-integrante do Sam Gopal e do Hawkwind, Lemmy convivia com problemas médicos intensos desde 2013. O baixista/vocalista conviveu com complicações cardíacas e ainda lidava com o controle do seu diabetes. Após confirmada a morte de Lemmy a 28/12, Todd Singerman empresário do Motörhead, afirmou publicamente que o líder da banda havia passado por uma tomografia, no dia 26/12.

Lemmy sempre comemora seu aniversário em eventos que geralmente contam com músicos amigos, ou fãs “famosos” integrantes de outras bandas. Após a confraternização no último dia 13/12 (ele nasceu em 24/12/1945) ocorrida em Los Angeles (EUA), Lemmy não se sentia bem e consultou seus médicos. A citada tomografia acusou tumores malignos em seu cérebro e pescoço.

Segundo Singerman, a previsão médica era a de que Lemmy tivesse de dois a seis meses de vida. Um comunicado oficial sobre a situação do baixista/vocalista iria ser emitido, mas seu falecimento ocorreu antes. Singerman afirmou que Lemmy não queria esconder nada do público, e aceitou a situação de forma mais conformada do que aqueles que viviam ao seu redor.

Bad Magic

No segundo semestre de 2015, o Motörhead divulgou apenas na Europa o álbum “Bad Magic”, derradeiro registro de estúdio do conjunto, lançado em agosto. Lemmy estava conseguindo se apresentar nos shows, embora fotos recentes o mostrassem bastante magro. O baterista sueco do conjunto Mikkey Dee, confirmou à imprensa de seu país que Lemmy realizava os shows mas demorava a se recuperar fisicamente, depois deles.

MOTORHEAD

Interrupções de sets e alguns cancelamentos (poucos) se tornaram frequentes desde 2013, mas o quadro clínico de Lemmy parecia estável. Após a morte do baixista/vocalista, Dee também enunciou o encerramento da trajetória da banda de forma bem direta, afirmando simplesmente que “Lemmy era o Motörhead”.

“Bad Magic” (UDR Music) mostrou-se um ótimo álbum, parelho aos melhores registros dos últimos dez anos, lembrando que a formação Lemmy, Dee e Phil Campbell (guitarra), estava junta há pelo menos 22 anos. O Motörhead era um dos representantes da categoria de bandas que pouco ou nada mudam, de um disco para outro.

Tão logo “Bad Magic” saiu, Lemmy refutou os boatos de que se tratava do último álbum da banda. Disse que em dois ou três anos outro álbum sairia. O tracklist do álbum de 2015 abre com “Victory or Die” (“vitória ou morte”), com Lemmy bradando o título da canção na letra de forma plena e sintomática. Ele ainda não havia se deixado vencer.

A vigorosa “Thunder and Lightning” (ou “trovões e relampagos”) trás resquícios autobiográficos de Lemmy em sua letra, sobretudo em relação à vida na estrada, sob chuvas e trovoadas. É uma das faixas de “Bad Magic” que mais remetem a momentos dos álbuns clássicos do Motörhead. Porém a canção que particularmente mais me impressionou, foi a emotiva balada pesada “Till The End”.

Até o fim.

Na letra de “Till the End” Lemmy relata a consciência de que as coisas haviam mudado (certamente referindo-se a sua debilidade física), mas que ele Lemmy na essência, persistia o mesmo. Refere-se aos amigos (em que pode se subentender também os fãs), que solicitações para que ele mude seu jeito de ser, apenas feririam seu coração. Ou: “Don’t tell me what to do my friend, you’ll break more hearts than you can mend”.

Ouça Till the End.

Afirma ainda que ele é o cara que não vai te decepcionar, que ainda é aquele em quem se pode confiar no final (“All I know is who I am, I never let you down. The last one you can trust until the end”). Indubitavelmente nós fãs nunca pensamos o contrário.

Em “(Don’t Need) Religion” (de “Iron Fist”/1982), Lemmy dispensara qualquer crença religiosa. Na poética e ateísta “God Was Never On Your Side” (de “Kiss of Death”/2006), Lemmy de forma serena e existencialista afirmava que “Deus nunca está ao seu lado”. Embora nunca tenha clamado por redenções, visões cristãs ou ícones religiosos,

Lemmy em “Till The End” é o único equivalente à Johnny Cash entoando um “eu lírico” que desafia o anjo Gabriel, a não tocar a trombeta em “Ain’t No Grave” . A letra dizia “Ain’t no grave can hold my body down” (algo como “não há túmulo que possa me abrigar”).

Cash parecia ainda ter algo a dizer, tanto é que “Ain’t No Grave” foi lançada postumamente. Por outro lado, Lemmy em “Till The End” não reivindicava salvação alguma e parecia estar em paz, ciente de que estava próximo do limite. Johnny Cash tinha colhões para desafiar anjos celestiais e Lemmy teve colhões para sequer cogitá-los.

O Motörhead tinha a canção ”Born to Lose” (ou “nascido para perder” de “On Parole”/1976), além de “Live to Win” ( ou “viver para vencer” de “Ace of Spades”/1980). Ambas se complementavam tal qual o ícone oriental do yin & yiang e se tornaram um tipo de slogan da banda, “Born to lose, live to win” (“nascido para perder, vivendo para vencer”).Em suma, Lemmy sempre pareceu saber que não tinha nada a perder.

Sem Lemmy um vazio inaudito eclodiu ao fim de 2015, vazio com o qual teremos que lidar até o fim.

Imagem de Lemmy: divulgação.

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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