Há quarenta anos atrás, uma situação inusitada envolveu o clube espanhol de origem catalã Barcelona, em meio à disputa da Copa da UEFA (atual Europa League) da temporada 1975/1976. Os culés fariam “o jogo da rodada”, ao passo que o sorteio definiu um embate contra a italiana Lazio.
O alinhamento fora sorteado a 3 de outubro de 1975, conforme informa o periódico espanhol El País. Em campo os jogadores envolvidos chamavam a atenção de forma nominal, caso se busque as escalações das equipes. O Barcelona surgia capitaneado pelos holandeses Johan Cruyff e Neeskens. Do lado italiano, a Lazio havia repatriado o artilheiro Giorgio Chinaglia, de regresso dos EUA.
Chinaglia se notabilizou por não tocar a bola para Pelé, no período em que ambos jogaram no New York Cosmos. No entanto, o ríspido entorno político tornou complexa a realização de uma partida futebolística que tinha tudo para sobressair, em meio a outros embates da jornada.
Naquela época o reino da Espanha vivia seus últimos dias subjulgado pela ditadura de Franco. Semanas antes do sorteio que definiu o confronto, ocorreu o que o El País descreve enquanto os “últimos fuzilamentos” do regime franquista. Três membros da FRAP (Frente Revolucionária Anti-patriótica, de ideais comunistas) e dois membros do ETA (grupo separatista basco), acabaram mortos.
De inclinação fascista, Franco tomara o poder no reino espanhol na metade do século XX. De forma mais nítida, o povo da Catalunha e do País Basco sempre demonstraram repúdio à autoridade franquista, enfatizando um desvinculo para com à Espanha. Catalães e bascos reivindicavam autonomia politica e cultural.
O citado fuzilamento de setembro de 1975, gerou comoção internacional. O então Papa João Paulo II, dirigiu-se ao governo espanhol clamando por clemência. Doze países retiraram seus embaixadores do território espanhol, além da eclosão de diversas manifestações em repúdio à Franco, pela Europa. O ditador por sua vez, disse-se vítima de uma “conjuração internacional”.
Culés sob fogo cruzado.
Além do confronto entre Barça x Lazio, outros jogos seriam realizados na Espanha, conforme o sorteio de 3 de outubro. Pela Copa dos Campeões da Europa (atual Champions League), o Real Madrid enfrentaria o inglês Derby County. Pela Recopa, o Atlético de Madrid jogaria com o alemão Eintracht Frankfurt e pela rodada paralela da Copa da UEFA, os bascos da Real Sociedad enfrentariam o Liverpool.
No território biancocelesti de Roma, instalou-se um barril de pólvora proporcionado pelos militantes de esquerda italianos. É preciso ressaltar que as origens da Societá Sportiva Lazio, estão atreladas aos partidários da direita italiana. O clube não se declara fascista, mas sempre teve adeptos ligados ao partido fascista.
A partida de ida deveria ser realizada no Estádio Olímpico de Roma em 22 de outubro, com o jogo de volta previsto para 5 de novembro, no Camp Nou (Catalunha/Espanha). As manifestações de esquerda na Itália, eram promovidas pelo periódico comunista Paese Sera. O curioso é que os europeus não percebiam o desvínculo rebelde do Barcelona (e da Catalunha), do contexto espanhol franquista.
O Paese Sera sublinhou relações cordiais entre dirigentes culés da época e o ditador Franco. Em 1974, Agustin Montal visitara Franco para entregar-lhe a Medalha de Honra das Bodas de Platina do clube blaugrena, que completava 75 anos. O presidente da Lazio à época Umberto Lenzini, enfatizaria à 8 de outubro de 1975, alguma inviabilidade para realizar o confronto.
Temia-se pela segurança geral, sendo que os mais fervorosos da ultra-direita lazial desejassem o confronto. A 9 de outubro de 1975, o Paese Sera publicou uma entrevista com o italiano Artemio Franchi, então presidente da UEFA. Franchi confirmava esforços para cancelar o congresso da UEFA, que ocorreria em novembro de 1975, na Espanha.
Buscava-se uma solução para o futebol, em meio às farpas políticas consequentes do franquismo. Em contraparte a UEFA através de nota oficial, desmente os intentos de Franchi. Paralelamente a administração do Estádio Olímpico de Roma mostrou-se oposta à realização da partida, sob ameaça de sabotagem.
Umberto Lenzini, presidente da Lazio encontrava-se contra a parede, uma vez que a não realização da partida, poderia render punições. A Lazio já se recuperava de uma sanção que obrigou-a a retirar-se das competições europeias, na temporada anterior. O motivo havia sido confrontos entre sua torcida e a torcida do britânico Ipswich Town.
(continua)