“Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemente parada;
Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita –
O todo, ou o seu nada.”
(Fernando Pessoa)
E finalmente confirmou-se a transferência do goleiro espanhol Iker Casillas que deixará o Real Madrid, para juntar-se ao lusitano FC Porto. Casillas, capitão merengue desde 2010, deixa Chamartín após 16 temporadas como profissional, nas quais conquistou 18 títulos expressivos.
O goleiro receberá 14 milhões de Euros por um vínculo até 2017. O valor será dividido entre o próprio Real Madrid e o clube portista que arcará apenas com uma terceira parte do valor total, segundo apurou o periódico espanhol El País. O vínculo de Casillas com os dragões pode ser estendido das duas temporadas para uma terceira, caso consiga disputar 30 partidas oficiais na segunda temporada prevista.
Na realidade, o clube merengue já não sabia o que fazer com um velho ídolo de 34 anos, cuja relação com a torcida se desgastou nítidamente nois últimos anos. Sua partida se dá de forma relativamente respeitosa, porém não haverá nenhuma homenagem, nem jogo de despedida.
Em meio ao desgaste em Madrid e iminente chegada de David De Gea, Casillas acabou por aceitar “uma saída” sugerida pelo treinador espanhol Julen Lopetegui, que comanda o FC Porto. O Santiago Bernabéu já era um mar com o qual Casillas não podia navegar.
Currículo inquestionável.
Segundo o El País, o presidente Florentino Pérez mostra-se ciente do vazio deixado por Casillas, profissional por 16 temporadas mas que totalizou 25 temporadas em Chamartín, se contados os seus anos como juvenil. O goleiro chegou ao Real Madrid em 1991 com apenas 9 anos, saindo como o arqueiro mais vitorioso da história do clube.
Casillas iniciou sua trajetória como profissional no Bernabéu, pouco antes do início da primeira gestão de Florentino Pérez. Casillas já era titular na conquista da Champions League 1999/2000. Após o início da primeira gestão de Pérez, o termo “galáctico” foi sugerido pela imprensa para qualificar nominalmente as contratações de alto impacto trazidas pelo presidente.
Porém a “casta” blanca que realmente era denominada enquanto “galáctica”, correspondia aos atletas que recebiam 5 milhões de Euros anuais, na época salário máximo oferecido pelo presidente. Estes eram Luís Figo, Ronaldo, David Beckham e o mito franco-merengue Zinedine Zidane. Mas Casillas, atleta genuinamente revelado em “la fabrica”, já estava lá.
Na seleção espanhola o goleiro tornou-se titular inesperadamente, pouco antes do Mundial de 2006. Casillas supriu a excêntrica exclusão do goleiro Santiago Cañizares que oficialmente teria cortado um de seus pés com um vidro de perfume. Segundo rumores, Cañizares teria se cortado realmente com uma garrafa de uísque.
O El País coloca Casillas junto ao meia catalão Xavi Hernández (agora ex-Barcelona), enquanto atletas mais importantes da história da seleção da Espanha. Ambos inclusos nos grupos vencedores das EURO’s 2008 e 2012 e do Mundial de 2010. Casillas era o capitão nas três oportunidades.
Vítima dos mares intempestivos.
O período intempestivo que corroeu injustamente a imagem pública de Casillas, eclodiu durante a passagem do treinador lusitano José Mourinho por Chamartín, entre 2010 e 2013. Na época, os confrontos entre Real Madrid e Barcelona passaram a ter atmosfera hostil proporcionada pelo próprio Mourinho.
Em meio a este panorama, Casillas foi repreendido pelo irascível treinador português por ter conduzido atos diplomáticos extra-campo, amenizando as tensões clubísticas junto aos companheiros de seleção que atuavam na Catalunha. Em menor escala, o zagueiro Sérgio Ramos também sofreu algumas consequências. Casillas foi publicamente acusado de “traição” por Mourinho, que se referia aos traidores enquanto “ovelhas negras” dentro de seu próprio vestiário.
Segundo o El País, Casillas e alguns companheiros blancos afirmam que diretoria merengue poderia ter ajudado a evitar as consequências da intempestividade de Mourinho. O goleiro espanhol em especial, sofreu com ataques de programas televisivos e os setores da imprensa que concordavam com os ditos de Mou, induziram a torcida a vaiar seu próprio guarda metas. Vaias que se ouviram até o fim da última temporada.
Casillas buscará o último sol de seu crepúsculo, acompanhado pelos ventos marítimos da Cidade do Porto. Este será o último ato do único e verdadeiro goleiro galáctico.
Imagem: K. Elfiqui – EFE