Anderson Silva: exemplo desportivo?

O último fim de semana atraiu as atenções para a luta entre o brasileiro Anderson Silva e Nick Diaz, no retorno do primeiro ao octógono do Ultimate Fighting Championship (ou UFC). Há pouco mais de um ano, Anderson “Spider” sofreu uma grave fratura na perna esquerda, na revanche contra Chris Weidman, válida pelo cinturão da categoria.

Anteriormente “Spider” ostentou o cinturão dos pesos-medios do UFC por quase dez anos, foi derrotado por Weidman e em novo confronto não apenas perdeu outra vez, como acabou seriamente lesionado. O retorno de “Spider” contra Diaz aconteceu em Las Vegas (EUA).

A questão ética que um confronto de MMA evoca num aspecto estético, num primeiro momento pode suscitar perca de valores, expressão do niilismo, espetacularização da violencia. Entretanto o ser humano é suscetível a propagar ou se atrair, por este tipo de fenômeno, deste a caça aos cristãos no Coliseu romano, nos primórdios da era cristã.

O ser humano é suscetível tanto a promover quanto a ser vítima de atos violentos. O fato da modalidade MMA ter aceitação de publico em termos mundiais, não a eleva automaticamente à condição de “modalidade esportiva”, nem a caracterização de “esporte olímpico”. Embora seus praticantes e promotores se refiram à mesma enquanto “esporte”.

No mundo contemporâneo é difícil traçar a linha tênue que separa os grandes eventos esportivos dos grandes eventos de entretenimento. O evento esportivo pode ser um grande evento de entretenimento (copa do mundo, jogos olímpicos). Mas sobretudo a abordagem norte-americana do esporte, vende alguns entretenimentos enquanto eventos “quase esportivos”. Por exemplo: pro-wrestling, NFL (ou futebol americano), competições automobilísticas e o próprio UFC, que obedece tal paradigma.

Em seu caráter administrativo estas competições não diferem das ligas profissionais de esportes convencionais yankees como o basquete (NBA), o beisebol (MLB) ou o futebol tradicional (pra eles “soccer”, da MLS). Enquanto empresa que promove o MMA, o UFC tem caráter privado, possivelmente muito mais lícito e idôneo do que qualquer clube do falido e corrompido futebol brasileiro.

Gladiadores ou atletas?

O que ressalta aos olhos deste que vos escreve é a disciplina rígida e o compromisso mantido por atletas de MMA, em relação a modalidade que praticam, seja ela esportiva ou pseudo-esportiva. A prática de três ou quatro modalidades diferentes de artes marciais é sim uma prática atlética. No caso de Anderson Silva, seu currículo inclui a pratica de muay thay (ou boxe-tailandês), tae-kwon-do e jiu-jitsu, para citar algumas.

Manter esse típo de prática requer uma dedicação sobre-humana do praticante, não só física como também mental/psicológica. A preparação mental de atletas que praticam lutas também é algo rigoroso. Se num aspecto grosseiro pode se descrever que lutadores de MMA são supostamente “acéfalos se matando num ringue”; noutro praticar um esporte convencional não faz do indivíduo, um atleta exemplar e ídolo respeitável.

Tomamos como exemplo desta contraparte a declaração do treinador romeno Mircea Lucescu. Há cerca de duas semanas, Lucescu esteve no Brasil com a equipe futebolística ucraniana do Shakhtar Donetsk, que disputou alguns amistosos. O Shakhtar se notabilizou nos últimos anos por ser um clube que tem preferencia por contar com jogadores do Brasil. E também por frequentar assiduamente a UEFA Champions League.

Em entrevista ao jornal gaúcho Zero Hora, Lucescu expressou de forma fria o descompromisso de alguns dos jogadores brasileiros de seu próprio elenco. Em nossa abordagem podemos tê-los como atletas profissionais de uma “verdadeira” modalidade esportiva. Entre outros apontamentos, Lucescu afirmou por exemplo, a não preparação mental dos jogadores brasileiros antes das partidas e o descaso com a necessidade de se concentrar no que será feito confiando no improviso, na “individualidade”.

Ou seja, o descaso com qualquer tipo de planejamento, que no futebol é sinônimo de preservar o condicionamento físico e treinar. Lucescu mostra-se espantado com o fato do jogador brasileiro acreditar na máxima de que “Deus decide o resultado”, em detrimento de qualquer tipo de dedicação, trabalho ou preparação.

A fauna de celebridades travestidas de futebolistas profissionais abunda o futebol mundial. No Brasil há exemplos clássicos, tais quais Robinho, Adriano “imperador”, Ronaldinho Gaúcho, Valdivia, Fred. Ou mesmo Ronaldo “fenômeno” na decrepitude da carreira, mostrando-se “futebolista profissional” desprovido de forma física. E sendo R9 facilmente atraído por motivos que o tornassem/tornem também, “fenômeno” de manchetes sensacionalistas.

Retornando ao MMA, Anderson Silva quebrou uma perna e esteve ameaçado de não mais praticar sua modalidade. Pouco mais de um ano depois se recuperou, voltou a treinar suas habilidades, não só entrou novamente num octógono, como venceu o adversário na madrugada do último domingo. Se tivesse sido derrotado por nocaute, teria mostrado seu valor mesmo assim.

Muitos analistas do MMA, observam que “Spider” já possa estar ultrapassando a idade útil de sua plenitude física, algo normal também em qualquer modalidade esportiva convencional. Mas seu exemplo de superação é inalienável. Se este é seu fim de carreira, não se faz necessária nenhuma comparação com o período de declínio de Ronaldo “fenômeno”. O choro de Anderson Silva no desfecho do confronto não era entretenimento.

Para ler a citada entrevista com Mircea Lucescu, clique aqui.

Foto: Steve Marcus – AFP

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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