Milan, Ano Zero…ainda não mas quase

Sprovveduto. O termo, equivalente em italiano para “incapaz”, foi o usado por Silvio Berlusconi na sua mansão em Arcore, província de Monza, na discussão com Adriano Galliani para se referir a Massimiliano Allegri, então ainda técnico do Milan, na noite de domingo. O destino de Allegri foi antecipado na mesma reunião e Barbara, a caçula de Berlusconi, a encarregada de noticiar à ANSA que o 4 a 3 forçava reformulações. Salvo uma surpresa muito, mas muito grande, colocou o ciclo do político no comando do Milan em sua reta final. Incapaz ou não, Allegri certamente não é mais incapaz do que o status quo berlusconiano de lidar com a situação e todos os envolvidos parecem ainda mais sprovveduti para mudar radicalmente o curso da situação.

A derrota de Sassuolo foi a primeira vez na história em que o Milan sofreu quatro gols marcados por um mesmo jogador numa mesma partida. Por si só, o augúrio já valeria a contratação do atacante Berardi por uma das rivais Inter ou Juventus (aparentemente, Berardi já é da Juventus). O jogo expôs praticamente todos os problemas do Milan de uma única vez: o time parecia estar jogando junto pela primeira vez, teve todas as jogadas de gol surgindo pelas laterais, não tinha marcação (apesar de um trio de volantes com De Jong e Nocerino) e principalmente, não tinha ataque. Balotelli, cujo talento só é superado pela displicência, joga como Messi uma vez por ano. No resto, fica parado aguardando a bola e se irrita quando um adversário não o deixa fazer seus gols coreografados.

Allegri não foi demitido nesta segunda. Na verdade, sua demissão começou na mesma mansão de Arcore, quando o técnico recusou a Roma, num suposto pacto com Berlusconi em prol do Milan. Sua demissão se confirmou há três semanas, quando ele admitiu que deixaria o clube em junho e só foi oficializada quando ele se dirigia a Milanello para o treinamento e recebeu um telefonema de Galliani.

O estado confusionário do clube (onde Barbara dá a entrevista e Galliani demite) retrata bem o modo como o clube vive uma convulsão em todos os aspectos: esportivo, técnico, financeiro, administrativo e político. Com Berlusconi afastado da gerência diária por conta de uma situação delicadíssima na política italiana, o clube está limitado em praticamente todos os frontes e isso não se reverterá com a troca de técnico.

Allegri é um sprovveduto? Não, com certeza não. Montou um Cagliari interessante, dadas as limitações e quer queira, quer não, foi campeão italiano (ainda que com um Ibrahimovic no auge). Allegri foi o quinto técnico demitido por Berlusconi em 28 anos, mas em média de pontos, ficou atrás somente de Ancelotti (embora não esteja computada a diferença de vitória por 2 e 3 pontos). O fato é que, por razões diversas, sua culpa na criação do arremedo de time que jogou com o Sassuolo é imensa. Além de aceitar as limitações impostas pela direção, Allegri praticamente marginalizou El Shaarawy (o único jogador promissor que o clube contratou depois de Alexandre Pato), comprometeu o futebol de uma série de jogadores (indo de Nocerino a Méxes, passando por Niang e Zapata) e na sua única real exigência, levou de volta a Milão um Matri completamente abaixo da crítica, esperançoso de fazer o atacante render o que tinha conseguido em Cagliari, sob o comando do mesmo Allegri.

Mas no fim, o que importa, é que o elenco do clube  tem alguns bons jogadores (Honda, De Sciglio, Méxes, Montolivo), dois craques sob suspeita por motivos diferentes (Kaká pela parte física, Balotelli pela comportamental) e um sem-número de jogadores medíocres (Constant, Muntari, Abate, Emanuelson, Bonera, Abbiati et al), além de Robinho, um ex-jogador para todos os efeitos. O elenco do Milan permite uma vaga na Europa League – o que estaria ok, se não fosse que o clube só gasta menos em salários do que a rival Inter. Na relação custo-benefício, o Milan é o pior clube do Italiano.

O relevante na opção por Seedorf é observar que o clube não está apostando em Clarence Seedorf, ídolo e profundo conhecedor do ambiente, porque acredita que o holandês emule a experiência de Josep Guardiola ou Fabio Capello. Mesmo torcendo por um sucesso retumbante de Seedorf, o Milan não tem outra opção. Nenhum técnico top-class na Europa hoje aceitaria comandar o Milan. O time não só não tem um time medíocre, mas não tem dinheiro para grandes contratações e tem uma dívida estimada em €300 milhões. Para piorar, ainda tem em Silvio Berlusconi um populista oportunista que se afasta das derrotas e chama para si o mérito das vitórias. Como está hoje, o Milan é uma oportunidade na qual um grande técnico só tem a perder.

A chegada de Seedorf não significa um “anno zero” em termos de mudanças. Ex-jogadores farão parte do staff de Seedorf (Crespo como treinador ofensivo; Jaap Stam, defensivo), mas a estrutura do clube segue a mesma. A batalha política no clube segue firme (Barbara por uma internacionalização da marca, entrada de capital estrangeiro e revolução técnico-administrativa; Galliani por uma gestão conservadora). Berlusconi, depois da derrota nos tribunais do caso Mondadori, não tem mais como manter um nível de investimento comparável aos “ricos” Chelsea, Manchester City e afins (uma tendência que aflige até clubes que faturam muito mais que o Milan, como o Manchester United, por exemplo). Sem Berlusconi e com a dívida que tem, o Milan é um clube redimensionado não só no curto prazo, mas também no longo prazo. Isso, claro, se as coisas não tomarem caminhos ainda mais tortuosos. O cenário cinza pode ficar negro sem necessitar que nenhum desastre ocorra.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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