Por que o São Paulo deve cair

A derrota para um Cruzeiro meia boca levou o São Paulo à um ponto onde uma conclusão é óbvia. Não se trata de torcida, antipatia, simpatia ou previsão de futuro. O time do São Paulo que disputa o Campeonato Brasileiro é, hoje, o candidato mais forte a “grande-que-cai-nesta-temporada”. E há razões para pensar assim. Aliás, sob todos os aspectos. A mídia esportiva certamente usará a “tradição” e a “qualidade” do time para contra-argumentar, mas isso porque não existe jornalista capaz de, em julho, vaticinar a queda de um grande, mesmo que ela esteja assim desenhada, mas o argumento é tão certeiro quanto uma aposta em um cassino. A agonia tricolor será lenta e dolorosa, como foram as de Palmeiras, Corinthians e Grêmio. Somente um milagre pode impedir a consumação do fato. Milagres acontecem, mas como se sabe, são raros.

Sem forças para reagir...São PauloO complexo mapa do rebaixamento tricolor começa em seu caos político. Além de um presidente claramente desequilibrado, em visível estado de confusão mental, o São Paulo tem um sintoma clássico dos rebaixados: um baixo clero incompetente. O presidenciável situacionista Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, juntamente com o marketing-man e diretor de futebol, Adalberto Batista são dois deles, mas há muitos outros. Quando os cargos-chave de uma administração ficam nas mãos de grupos liderados por caciques políticos medíocres, o clube entra numa espécie de estado de choque permanente. Contratações inexplicáveis, jogadores acomodados, disputas infantis com outros clubes e outros drenos de energiatudo isso nasce no mundo do pequeno poder que reside no conselho da agremiação, consumindo recursos, enchendo o bolso de terceiros, enquanto os preceitos realmente básicos são deixados de lado.

O naufrágio sãopaulino não começou com o acréscimo notório de destempero que Juvenal Juvêncio teve neste ano. Ele começou muito antes, à época da demissão de Muricy Ramalho. Sim, havia um desgaste grande entre o técnico e jogadores, mas depois de três campeonatos vencendo, incomum seria o oposto. Grande parte do desgaste foi criado por “Leco” e outros membros do baixo clero tricolor, que estimulavam a oposição a Muricy por parte dos jogadores mais descomprometidos. O clube mandou embora um treinador que vencera três campeonatos seguidos sem grandes contratações por conta de uma pressão interna. O mesmo retrato foi se repetindo em outras vezes. O clube demitiu o preparador físico Carlinhos Neves (coincidência ou não, o preparo físico sofrível é outro sintoma clássico de rebaixamento que o SP tem nesta temporada, se arrastando em campo) e outros profissionais que estavam há anos no clube por conta desse tumor político que desejava ter controle sobre o que realmente dá exposição num clube – o time de futebol.

Outro exemplo da origem política da patologia sãopaulina está representada na permanência eterna do “auxiliar” Milton Cruz, tido como o grande mentor das contratações do Morumbi. Se isso for verdade, já seria o suficiente para uma demissão, mas a sombra sobre ele vai além. Há a sensação de que ele é uma eminência parda em qualquer comissão técnica, um “estudante profissional”, como se chamavam os infiltrados do exército nas faculdades dos anos 70 no Brasil, porque jamais deixavam o curso para seguir denunciando “comunistas”. Indepentendemente de sua competência (ou falta dela) e das suas boas intenções (ou não), o fato é que Cruz já esgotou seu período no clube e precisa ser estimulado a buscar novos ares.

A decadência e o desgaste não são obra exclusivamente da mediocridade e da incompetência de conselheiros sedentos por algum tipo de exposição. Há também um fator esportivo forte. O São Paulo contrata, há vários anos, muito e mal. Basta ver que os jogadores que chegam num determinado ano raramente permanecem mais de duas temporadas, sempre a peso de ouro. E nesta toada, chegaram e partiram desde nomes totalmente irrelevantes como Júnior César, Joílson, Eduardo Costa e Denilson até medalhões como Jadson, Fernandão e Luis Fabiano. Paulo Henrique Ganso é candidatíssimo a ser o “novo Ricardinho”, jogador cuja contratação foi absolutamente um gesto desesperado de Juvenal em busca de mídia, mesmo sendo o meia de criação de maior potencial do Brasil – um potencial que segue escondido desde sua última longa lesão no Santos.

Ainda esportivamente, o SPFC tem o “problema” de Cotia. O clube investe uma fábula para ter um centro de excelência no desenvolvimento de atletas, mas o tumor político mantém em Cotia um estafe cuja competência é duvidosa. Por bater de frente com esse poder oculto de Cotia, nomes como os de Raí, Renê Simões e o próprio Muricy deixaram o clube. E enquanto isso, para cada Lucas que sai da base, aparecem um Casemiro (jogador bom tecnicamente, mas visivelmente imaturo) e uma legião de pernas-de-pau que desaparece ou, dado o nível técnico somali do futebol, acabam continuando no circuito em clubes “grandes” como Atlético-MG e Botafogo. O CT de Cotia é para o São Paulo uma Ferrari que na pista anda como um Uno Mille.

Ainda no âmbito esportivo, há também a questão de Rogério Ceni. O capitão tricolor é uma lenda no clube, uma daquelas que poucos clubes no Brasil têm similar. Contudo, ele não é mais um recurso positivo para o São Paulo. Fisicamente, Ceni é uma sombra do que já foi e visivelmente joga pela sua história. Contudo, sua liderança ajudaria mais o clube se ele fosse um executivo do clube do que um jogador. Hoje, o goleiro mais atrapalha do que ajuda, tal é o seu nível de influência. Ele precisa parar e se compreendesse isso, ajudaria muito o time. Mas raramente um jogador nessas condições entende. Tirar Rogério de campo é um a atitude doída que ninguém no fraco e medíocre equilíbrio político sãopaulino terá coragem de fazer.

Por fim, o São Paulo tem uma soberba histórica que é a grande razão pela qual deve ser o terceiro clube mais odiado do Brasil (atrás de Corinthians e Flamengo – clubes com as maiores torcidas são os mais odiados em todo o mundo). O rebaixamento teria o doce efeito de esfregar a cara dos já citados medíocres conselheiros tricolores no chão da pocilga da vergonha e esse choque de realidade só poderia ser positivo. O rebaixamento em si, se alterasse a ordem de forças no clube, já teria um efeito positivo espetacular, porque, parafraseando Roethke, é nas sombras que se aprende a enxergar.

O São Paulo não é o clube mais mal-dirigido do Brasil. É simplesmente mais um entre tantos numa indústria que, apesar de bilionária, é absolutamente amadora desde a sua acepção legal (“sem fins lucrativos” é a definição social de praticamente todos os clubes brasileiros) até a prática, onde um dono-de-boteco-like como Andres Sanches ganha projeção nacional. Do modo como as coisas estão colocadas hoje, não há nenhum aspecto onde o São Paulo tenha forças em potencial para evitar o rebaixamento. Crises sem precedentes que levam a mudanças fundamentais são, historicamente, as únicas reais propulsoras de rompimento com modelos apodrecidos. O São Paulo, como vários outros clubes, vive em cima de um alicerce corroído. O SP é a bola da vez porque não é possível rebaixar todos os clubes toscamente dirigidos numa única temporada. Este ano, o São Paulo é o time mais com cara de rebaixado entre os protagonistas do futebol brasileiro. Só uma mudança de curso radical reverte o trajeto. Ou se o SP for superado em sua mediocridade por pelo menos quatro clubes. Neste ano, em termos de mediocridade, contudo, o Morumbi é difícil de bater.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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