Muito além de uma Ameba na torcida

O final de semana passado trouxe uma adição à costumeira festividade de futebol medíocre do Brasileiro. Vimos também uma menina de 13 anos ser agredida por um adulto porque recebeu uma camiseta de um jogador de um time adversário (que é pouco mais velho que ela).  Um time adversário, diga-se, que não tem nenhuma rivalidade específica com o mandante. Não só – também vimos policiais militares parados diante da cena numa clara demonstração de covardia (que é nata) com despreparo (que não é). E vimos, logo a seguir, textos de caras que eu realmente admiro como o Gian Oddi atestarem seu nojo com o ocorrido. O Gian argumenta que a imprensa não deveria dar espaço para chefes de organizadas, a quem ele sabiamente renomeou de “Amebas” (graças a Deus não sei o nome do infeliz meliante que mostrou ao Brasil inteiro que é um covarde, ao vivo).

Mas eu vou além, com a licença do meu colega romanista: a imprensa se tornou refém do Ameba, porque o Ameba não está só chefiando uma organizada de um time de segunda linha. O Ameba também é dirigente de clube, técnico e empresário e se ele não bate em meninas na arquibancada, ele desvia dinheiro, ganha na venda de jogador e compra matéria na imprensa em troca de “informação de bastidores”. Gian, nossa imprensa tem amebíase faz tempo e o paciente só piora.

Para um post que é um desabafo não virar um tratado (até porque já tinha falado disso em outro texto), uma rápida observação sobre o assunto: a imprensa esportiva está com amebíase porque o investigado virou fonte e o leitor virou cliente. O jornalismo parou de fazer as perguntas difíceis, como disse o John Lee Anderson. Boa parte da culpa disso é a do próprio leitor, que fica histérico quando se atesta o óbvio e se diz que o Palmeiras ou o Coritiba têm times medíocres ou que São Paulo e Internacional têm uma legião de craques de boutique que são monstros só no Fifa Soccer. Mas o jornalista também tem. A cada pequena concessão que ele faz a unicelulares como o Ameba, está se corrompendo. É como o cara que para em fila dupla “só um pouquinho” e se revolta com o Mensalão.

A mídia está refém de um modelo no qual ela não pode (e, em muitos casos, não quer) dizer a verdade, por mais que haja, aqui e ali, um Gian Oddi e um Celso Unzelte ou  um Robson Morelli que são capazes e que querem fazer tudo certo. Os maus profissionais vencem porque o sistema está a favor do “jogar para a torcida”. Tem que vender. se não vender, fecha. E detalhe: sem esses poucos herois, estaríamos, sim, ainda pior. Porque sempre dá para piorar

E esse discurso tem muitos adeptos. Para cada Gian há uma dúzia de amebas jornalísticas. Não se tratou, por anos, o Eurico Miranda como um cidadão de bem? Ricardo Teixeira não teve o apoio aberto da mídia oficial até dias antes da sua queda (um cenário que me lembra muito o Dër Untergang do Bruno Ganz). E quando essas amebas mediáticas se deparam com uma Ameba como a do domingo, se entendem, falam a mesma língua e fagocitam a mesma coisa – engolem caráter e excretam sem parar.

 

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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