Shevchenko e o crepúsculo

MILÃO, ITÁLIA, 13/05/2012 A.D. Pippo Inzaghi aos trinta e oito anos saía do banco de reservas para virar um jogo que a torcida do Milan via empatado no segundo tempo. Já sem chances de título, o Milan enfrentava o Novara de ‘ressaca’ após perder uma rodada antes todas as possibilidades de levar o bi-campeonato da Série A.

Na ocasião o Milan foi goleado por 4×2 pela Internazionale. Inzaghi faz um golaço contra o Novara, após receber um passe primoroso de Clarence Seedorf. Assistindo um vídeo do You Tube trazido por um grande amigo, este que vos escreve não sabia como descrever a reação do folclórico locutor italiano Tiziano Crudeli assumidamente milanista. Inzaghi saia do banco para fazer um gol a ‘lá Inzaghi’ decisivo, gol da virada.

E Crudeli extático exaltava a figura de Pippo, ‘grazie Pippo grazie’ até cair num choro similar ao de um menino ao escutar o repórter de campo descrevendo o que acontecia após a partida. Inzaghi ocupava a faixa direita de campo, aquela que antigamente era preenchida por Andriy Shevchenko. Pippo e Sheva formaram a dupla de ataque daquele Milan campeão europeu 2002/2003 em cima da rival Juventus.

Ao fim daquele Milan 2×1 Novara, Pippo, Nesta e Gattuso, bastiões daquele time se despediam do rossoneri. Se Shevchenko não tivesse cedido às tentações oferecidas por Roman Abramovich e seguido para o Chelsea após a temporada 2006, teria vencido a CL 2007 também pelo Milan. E possivelmente estaria se despedindo do Milan junto com os três citados.

EURO 2012, a estréia da Ucrânia, o início do crepúsculo.

KIEV, UCRÂNIA, 11/06/2012 A.D. Enfim a outra anfitriã da EURO 2012 estréia em Kiev. Ucrânia e Suécia se enfrentaram ontem, num confronto curioso. Ambos os times ostentam cores azul e amarelo, obviamente as mesmas que estampam as suas bandeiras. Ambos os times não possuem enorme tradição européia. Porém carregam alguns atletas importantes em suas formações.

O time sueco é definitivamente o mais fraco do duro grupo D. É literalmente ‘Ibrahimović mais 10’. Há um esforçado Kim Kallstrom organizador do meio de campo e um ‘viking’ na zaga, o veterano Mellberg. Ibrah se apresentou para o jogo mas parecia ter que criar jogadas, passar ou lançar para si mesmo tentar receber as bolas.

Algo do tipo bater o escanteio e correr atrás para tentar cabecear. A Suécia até se fechou bem, parando os ataques ucranianos de forma dura ainda que leal. E a Ucrânia surgia reluzente, o amarelo de sua camisa sugeria o sol crepuscular que se põe no horizonte de Shevchenko.

As notas que os jornalistas e narradores mencionavam era de que Sheva, ciente das limitações físicas aos 36 anos, pretendia ser apenas um afitrião fora dos campos. Há quatro temporadas de volta ao Dynamo Kiev que o revelou Sheva queria ter se aposentado antes da EURO se iniciar. Não era o que a torcida ucraniana desejava e Sheva prorrogou a carreira até o último jogo da Ucrânia na EURO.

O time ucraniano tem alguns bons valores como o externo Gusev e o vigoroso volante Anatoly Tymoshuck que assume a tarja de capitão quando Sheva sai de campo. Mais além o próprio Sheva forma dupla de ataque com outro já veterano, Andriy Voronin que também se vê de regresso a pátria pelo Dynamo.

Voronin teve passagens pelo futebol alemão e pelo Liverpool tendo se destacado assim como Sheva no grupo ucraniano que foi ao Mundial de 2006 na Alemanha, eliminado pela campeã Itália nas quartas de final. A torcida de Kiev empurrava a Ucrânia.

Shevchenko se via fixo na área puxando a marcação enquanto Gusev e Voronin eram os que mais se apresentavam no ataque. Pelo lado direito Sheva tenta um chute em diagonal ainda no primeiro tempo, faixa de campo que ele ocupava quando jogava pelo Milan. Pelo lado sueco Ibrahimović levava perigo, seja finalizando seja armando.

Surgindo pelo lado esquerdo ou pelo centro, carecendo desesperadamente de um companheiro dotado da destreza de acompanhar o que ele Ibrah proporciona. Ibrah a estrela maior do Milan hoje parecia mais imponente do que a estrela rossoneri do passado, Shevchenko.

No segundo tempo a partida seguia disputada. Aos seis minutos com um atleta ucraniano caído em seu campo, a Suécia se aproveita da vantagem momentânea em lance que começa pelo lado direito.

A bola é alçada para Kallstrom na esquerda tocar para Ibrahimović ao centro que apenas desvia para o gol. Suécia 1×0. Ibrah encarna bem o papel de vilão da história, diga-se de passagem. Poucos minutos depois a Ucrânia chega ao empate. Bola levantada na área sueca e disputando com um zagueiro, Shevchenko empata o jogo. A explosão ucraniana é inevitável.

Aos quinze minutos em jogada de escanteio Sheva se vê marcado por Ibrahimović. Shevchenko literalmente dá uma volta em Ibrah para receber a bola e outra vez de cabeça, mandá-la para o fundo das redes. Shevchenko 2×1 Ibrahimović. Shevchenko decisivo, como noutros tempos de San Siro.

A Suécia segue lutando até o fim com o defensor viking Mellberg também se lançando ao ataque. Mas a festa ucraniana é confirmada. Os anfitriões lideram o grupo D pois no primeiro jogo do dia, França x Inglaterra empataram em 1×1.

Todo crepúsculo é belo e melancólico, se não me falhe a memória, disse Tostão numa coluna acerca do crepúsculo da carreira de Zidane as vésperas do Mundial de 2006. O futebol não é um premeditado roteiro de cinema. A vitória na estréia já coroa o encerramento da carreira de Andriy Shevchenko.

Porém lucidamente analisando a Ucrânia empurrada pela sua torcida pode perfeitamente ser uma das duas qualificadas para o mata-mata neste grupo D.

Grazie Sheva, grazie!

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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