Os velhos oligarcas

Em 2005 foi disponibilizado no Brasil o livro ‘Como o Futebol Explica o Mundo’ (Jorge Zahar Editor) do jornalista norte-americano Franklin Foer. Possivelmente a partir da década passada tivemos um grande numero de abordagens acadêmicas do futebol com embasamento teórico ligado a sociologia.

Cadeiras de sociologia do esporte passaram a ser fundadas em algumas universidades no Brasil. Entretanto esse tipo de abordagem parece bastante trivial em estudos ao redor do mundo. Foer tenta de forma breve porém extremamente clara e detalhada, descrever algumas culturas tomando contato com a forma que as mesmas encaram e expressam o futebol.

O subtítulo da obra diz ‘um olhar inesperado sobre a globalização’, talvez não temos exatamente uma obra sociológica mas sim fenomenológica em termos heideggerianos, se me permitem um jargão da filosofia. O fenômeno da globalização pode ser mensurado e descrito através da cultura futebolística.

Enaltece-se a funcionalidade do empreendimento principalmente pela imparcialidade e isenção de seu autor oriundo dos EUA, pais de tradição menor no esporte, mas nem por isso imune ao fenômeno futebolístico.

O capitulo dedicado ao futebol italiano se intitula ‘Os Novos Oligarcas’. A descrição de Foer inicia-se pela forma como os árbitros são tratados na Itália, talvez apenas um degrau abaixo dos próprios craques da Série A italiana. A manipulação dos árbitros é evocada de inicio para se chegar a abordagem dos fenômenos extra-futebolísticos que pairam nas entrelinhas dos nomes de FC Juventus (ali pouco antes da queda para a Série B em 2006) e do AC Milan.

A Juventus é tomada como ‘brinquedo’ da família Agnelli, sublinhando-se as ligações da mesma com a máfia e detentora dos lucros de grandes nomes da indústria como a Fiat (automobilística) e Beretta (bélica). Além de controlar o jornal Corriere Della Sera. A reboque é claro que surgem mencionados todos os gols misteriosamente anulados, pênaltis ‘estranhamente’ assinalados além de fatos que alimentaram os 25 scudettos que ali na época da construção do livro a vecchia signora detinha.

A Juve é coerentemente postada enquanto clube de maior expressão na Itália tendo apenas oposição político/financeira no AC Milan depois de adquirido por Silvio Berlusconi. Ao passo que a Juventus se oculta nos bastidores do esporte na Itália a exemplo de seus gestores, dificultando a identificação de ações suspeitas; o Milan de Berlusconi já se formatava enquanto um projeto megalomaníaco de entretenimento.

Um tentáculo oportuno para Berlusconi ascender ao poder político na Itália e algo que antecipou em muitos anos a megalomania do Real Madrid de Florentino Pérez ou qualquer outro clube ‘novo rico’ de Chelsea a PSG.

É claro que o futebol não fica de lado. Foer descreve a mentalidade rossoneri enquanto estéticamente mais agradável (leia-se: ofensiva) do que a encarnação plena do catenaccio que a Juventus sempre personificou. Berlusconi visava seduzir seu público inicialmente tendo o trio holandês Van Basten/Rijkaard/Gullit e podemos notar isso ao logo da história recente do Milan sempre adquirindo atlétas de renome no ataque.

Do trio Baggio/Weah/Savicevic por volta de 1995 quando Berlusconi chegou ao poder pela primeira vez, a necessidade de ter Ronaldo e Ronaldinho às vésperas de uma nova eleição entre 2007 e 2008, chegando a última aquisição vultuosa Zlatan Ibrahimović pouco antes de renunciar ao cargo de primeiro ministro.

A política e os investimentos no futebol sempre foram recíprocos na trajetória de Berlusconi que às vésperas das eleições que o colocaram no poder pela primeira vez, no inicio dos anos 90 dizia que o país precisava funcionar como o Milan. Ele ascende paralelamente àquilo que hoje é lembrado enquanto o citado ‘Milan holandês’.

Onze posições mais a imprensa e o árbitro.

Tratar bem a imprensa é algo extremamente frisado por Foer um jornalista, algo que o Milan em especial faz desde sempre. Assim como enaltercer árbitros elevando-os a status de superstars, algo impensável no Brasil. Em nossa linguagem popular, a velha ‘politicagem’.

No entqnto Foer é honesto ao não reclamar de ter sido ‘sequestrado’ pela acessória de imprensa do Milan que o levou a Milanello sem hora para voltar, dois dias após a vitória na final da UEFA Champions League de 2002. O Milan se sagrava hexacampeão da competição. Foer testemunhou a taça, o técnico Carlo Ancelotti, Rui Costa, Maldini e Nesta que lhe veio apertar a mão. Algo que Foer descreve enquanto motivo para alguns homens italianos matarem para poder verem.

E ainda foi assistir a final entre Milan e Roma pela Taça Itália daquela temporada. Oposições e denuncias de ações nebulosas são difíceis pois Berlusconi se afirmou no poder como magnata das telecomunicações.

Foer menciona as campanhas por parte do jornal Corriere Dello Sport pró clubes romanos (Lazio/Roma) ocorridos no início da década passada. Em tempos de bonança na Série A Lazio revelou Nesta e contou com nomes como Verón, Crespo e Cláudio Lopez em seu elenco.Venceu a Série A em 1999/2000.

A Roma venceu o scudetto de 2000/2001 sob comando de Fabio Capello que voltou de uma passagem pelo Real Madrid em 97 reclamando do quão atrasado andava o futebol italiano. Foer porém é bastante realista ao descrever Mario Sconcerti ex-editor do Corriere Dello Spot oriundo de Florença. Alguém passionalmente apto a ver de forma ‘neutra’ a influência de Juventus e Milan. O norte-americano descreve a opinião de Sconcerti de que “a imprensa pode ser manipulada para melhorar a posição de um time em até seis pontos, a diferença entre o campeão e o segundo colocado.

Uma vez mais a manipulação exercida sobre a imprensa se reflete nos árbitros. Ele afirma que a mídia pode ocultar ou expor o tratamento preferencial que os juízes dedicam ao Juventus e ao Milan. Se a imprensa lança uma cruzada contra um árbitro, faz com que este fique extremamente inibido. Ele vai ceder para evitar que seja visto como tendencioso, e mesmo sem a intenção pode ir além disso.” (FOER, Franklin. Pág 161) Foi Sconcerti quem liderou a campanha pró times de Roma e junto a Foer quantificou o valor de se manipular a imprensa.

O norte-americano é elegante ao afirmar, sem desqualificar a importância do ex-editor do jornal, que tomou a visão de Sconcerti um tanto quanto conspiratória e intrincada, a expressão de cismas e preconceitos daquele que a entoa. Em outras palavras, ditos de alguém que não é bianconneri nem rossoneri.

A Juventus era vista como uma ordem velha e patriarcal atrelada a todos os antigos alicerces do poder na Itália e o Milan uma nova ordem representando a globalização capitalista que determina e manipula os juízos do seu público. Ambas igualmente nefastas.

O fim do capitulo menciona a esquerda ‘caduca’ italiana que se entornou a Internazionale, enaltecida num ligar em Milão chamado Comuna Baires. Um bairro onde se reúnem poetas, artistas e a boeima além de comunistas leitores de Antonio Gramsci, interprete italiano de Karl Marx. Fato que Foer julga estranho, pois é incoerente tomar a Inter gerida por um magnata do petróleo (Massimo Moratti) e tão capitalista quanto todos os outros grandes clubes da Europa, enquanto símbolo ‘anti-Milan’. Nada além de uma oposição de cunho passional.

Corta para 2012. A Juventus voltou a vencer a Série A. Novo escândalo de manipulação de resultados estoura. No último Milan 1×1 Juventus um gol rossoneri de Muntari foi misteriosamente anulado num momento em que ambos os clubes disputavam o topo da tabela. Se anotado o gol poderia ter sido a primeira derrota da Juventus no torneio em que acabou campeã invicta.

Ladrão que rouba corrupto merece cem anos de perdão? Na Itália os clubes conseguem manipular a mídia e os árbitros supostamente profissionais são peças decisivas no tabuleiro. Caso os clubes brasileiros fossem bilionários e os árbitros nacionais profissionalizados, seria diferente aqui?

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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