Em jogo, a sorte

Umaa semana antes da final da Champions League 11/12 me deparei com um livro incomum na prateleira de livros de educação física na biblioteca da universidade. Era ‘Futebol Total’ em esgotada edição nacional da autoria de Johann Cruyff. A lenda holandesa justificava ali a derrota no Mundial de 74. Sua definição para o gol me soou extremamente incomum. A concepção futebolística de Cruyff e consequentemente de todo o futebol holandês e do Barcelona era física e cerebral a não ser a definição do gol em si. “Eu penso que futebol é acertar e criar as ocasiões de gol. Marcar gol é um tanto casual e que está fora do futebol. Mas como a única maneira de ganhar é marcar gols, em cada equipe há que ter sempre um ou dois homens com habilidade suficiente para empurrar o balão para as redes. Embora insista que isto nada tem a ver com futebol. Jogar futebol é combinar com eficácia e profundidade de maneira que se criem as oportunidades. Marcar gols, como já disse depende de muitas outras coisas: sangue frio, causalidade, sorte, falha contrária.” (CRUYFF, Johann ‘Futebol Total’. Nova Fronteira, 1974. P.45) – por Alexandre Kazuo

A jornada.

O caminho foi traçado diferentemente. O FC Bayern carregava algum favoritismo desde o início quando se

Atento a todos os estilos dos batedores...Petr Cech

engalfinhou na primeira fase um verdadeiro ‘grupo da morte’ que incluiu Manchester City, Villarreal e um valente Napoli que junto aos bávaros avançou ao mata-mata. O milionario City foi parar na Europe League. A atual geração bávara justificava a badalação em torno de Neuer, Lahm, Kroos, Thomas Muller e Gómez, além de Schwensteiger ícones importantes no nationaleff. O francês Franck Ribery vinha discreto e Arjen Robben lesionado já sendo cogitada sua transferência. Reiniciava-se a CL em sua fase decisiva. Descartado, Robben se queixava da perseguição em terras alemãs até ressuscitar no amistoso entre Holanda 2×1 Inglaterra em Wembley entre fevereiro e março passados. Você viu Brasil x Bósnia? Que pena. Robben fez dois gols e disse que estava levando um dvd para Alemanha onde ele acreditava que as pessoas ficaram vendo o nationaleff contra a França na mesma data Fifa de amistosos. Robben se escalou para as oitavas de final da CL. Enquanto o Barcelona aplicava 7×1 no Bayer Leverkussen, os bávaros enfiavam 7×0 no Basel.

Nas quartas de final contra o Olympique de Marseile os ‘coadjuvantes’ bávaros começam a aparecer personificados em Ribery e Ivica Olic no jogo de volta autores dos dois gols no 2×0 do jogo de volta. Nas semifinais contra o Real Madrid dois placares iguais 2×1 para os alemães em casa e 2×1 para os blancos em Madrid. Neuer pega os pênaltis de Cristiano Ronaldo e Kaká. Todo grande time começa com um grande goleiro e o elenco do Bayern conseguiu suprir inclusive a necessidade de zagueiros de área durante toda a temporada. Supostamente titulares Van Buyten se viu com um pé fraturado e Breno despirocou. Os bávaros lutaram pelo título da Bundesliga (vencida pelo B. Dortmund) até as últimas rodadas e chegou à final da CL com os esforçados Boateng, Badstuber e Alaba compondo a linha defensiva.

Em Londres a tragédia parecia anunciada. O lusitano André Villas Boas chegava a Stamford Bridge sob o signo de José Mourinho seu preceptor. As notas corriqueiras diziam que o jovem técnico lusitano sucumbiria aos ‘caciques’ do elenco blue. Na fase de grupos o Chelsea avançou ao mata-mata no sufoco numa súbita ressurreição de Drogba fazendo dois dos 3×0 no Valencia na ultima rodada. Afora a CL, John Terry seguia protagonizando confusões sendo acusado de ofender um adversário de forma racista em jogo da Premier League. A FA lhe retirou a braçadeira de capitão do English Team atravessando uma ordem de Fabio Capello que tinha entregue a traja novamente a Terry. Capello se demitiu e a seleção inglesa se vê numa incógnita às vésperas da Euro com o senil Roy Hodgson contratado para o comando técnico. Tudo por causa de Terry.

Nas oitavas de final o Chelsea foi aniquilado pelos partenopei de San Paolo. A surpresa Napoli comandado pela dupla Lavezzi/Cavani aplica 3×1 nos blues. Villas Boas é demitido e segundo o editor deste blog, Roman Abramovich pela primeira vez foi até Cobham vociferar ao elenco blue que quem manda no clube é ele. Efetivou o italiano Roberto Di Matteo, ex-jogador do próprio Chelsea e em Stamford Bridge Drogba, Terry e Lampard ressurgiram das cinzas. Relegado a reserva na ‘gestão Villas Boas’ Lampard se via fisicamente intacto comandando o meio campo blue que aplicou 3×1 no Napoli em tempo normal, avançando às quartas na prorrogação com um quarto gol anotado por Ivanovic. Nas quartas de final a hybris era difícil de ser contida já no sorteio onde um vídeo jocoso de Drogba simulando estar tremendo de medo do Benfica correu a internet. Um modesto porém tradicional Benfica deu algum trabalho sobretudo na partida de volta, mas os blues avançaram.

Nas semifinais, o Chelsea tem a ingrata missão de enfrentar o Barcelona vencendo inexplicavelmente o neo futebol total por 1×0 em Londres ao lançar expediente de um catenaccio a inglesa previsivelmente proposto por Di Matteo. No Camp Nou os blaugrenas impuseram seu jogo como de habito com Terry conseguindo ser expulso na metade do primeiro tempo. Foi um jogo atípico. O Chelsea obtem um empate com um golaço de Ramires (!!!) e Messi perde um pênalti quando poderia fazer 3×1. O 2×1 classificava os blues. Eis que outro ressurge. Fernando Torres, um filho de Madrid vem a campo e faz o segundo gol blue selando a eliminação catalã. Em péssima fase desde que chegou ao Chelsea há quase um ano e meio, o ‘boa praça’ Torres foi reabilitado por Di Matteo. O elenco blue é formado por mascarados que se fingem de mortos e reaparecem do nada como Cech, Drogba e Terry. Mas também conta com o disicplinado Lampard, merecido capitão na final e o carismático ‘El Niño’ Torres eterno colchonero.

A final

Então a final aconteceu no último sábado em Munique. Os desfalques de ambos os clubes já eram alardeados pela imprensa sobretudo os brasileiros Ramires (Chelsea) e Luis Gustavo (Bayern) suspensos pelo terceiro cartão. No papel os bávaros eram superiores com Neuer, Lahm, Boateng, Contento, Tymonchuk, Kroos, Schweinsteiger, Ribery e Muller. Robben e Gómez. Os blues nitidamente mutilados com Cech, Bosingwa, Cahill, David Luiz e Cole. Lampard, Mikel, Bertrand e Mata. Kalou e Drogba. O volume de jogo bávaro foi superior em todo o primeiro tempo onde os blues tomaram dois sustos entre os 15 e os 20 minutos. Tecnicamente, não ter Terry no sistema defensivo é prejudicial. O Chelsea se postava com dez no campo de defesa e só. O suspenso Ramires e o também suspenso Raul Meireles eram os responsáveis pela rápida saída de jogo dos blues. Em postura ofensiva o Chelsea era praticamente um 4-5-1 com Drogba isolado. Di Matteo postou Lampard como low playmaker a frente da zaga para garantir ao menos boa saída de jogo como faz Pirlo (Juventus) na Itália. Por outro lado o Bayern que anotou % de posse de bola em toda a partida, devido a qualidade de alguns atletas de ataque se via num curioso 3-1-4-2. O defensor externo Lahm formava a linha defensiva com o volante Tymonchuk postado a frente dos zagueiros.

Era uma final morna, a mais sem graça das últimas quatro ou cinco temporadas. O Bayern abusava do direito de finalizar fora do gol tanto com Robben quanto com Gómez. No primeiro tempo o Chelsea finalizou uma vez, em falta cobrada pra fora por Juan Mata. Os bávaros recuaram no segundo tempo tentando atrair os blues. O primeiro gol bávaro só foi acontecer a 83 minutos de jogo onde Muller finalizou de cabeça diante do poste direito cara a cara com Cech. Parecia óbvio mas não merecido. Muller parecia estar com sorte mas é substituído pelo zagueiro Van Buyten. Cinco minutos depois em escanteio para o Chelsea, um Drogba fulminante aparece para empatar também de cabeça. O Chelsea parecia iluminado. Em campo já se via Fernando Torres que com a bola no pé levava algum perigo. Na prorrogação exaustiva um pênalti cometido por Drogba é anotado em lance que tira Ribery de campo. Robben cobra no canto direito e Cech defende. Depois Olic se desespera ao passar uma bola que o sem sorte Van Buyten não alcança, a mesma sai rolando em diagonal ao lado externo do poste direito de Cech. Temos uma disputa de pênaltis como na final de 2008 quando o pouco afortunado Terry escorregou em sua cobrança para o Manchester United vencer. Mata perde para o Chelsea. Pelo Bayern Olic tem sua cobrança defendida por Cech e Schweinsteiger esconde a cara por baixo da camisa após mandar a bola no poste direito aquele que só dava sorte para Muller. Coube a Didier Drogba condenado pela torcida marfinense por perder pênaltis decisivos em duas finais de Copa da África o último tiro. Ele manda no canto esquerdo e o Chelsea obtém seu primeiro título da Champions League.

A sorte pois o futebol é um jogo. A sorte que por vezes determina a trajetória de uma bola em direção ao gol pareceu estar a favor do Chelsea. Além da sorte o time que pareceu ter sofrido mais adversidades ao longo da temporada pareceu ter maior condição psicológica num momento de grande pressão. Sem voluptuosidade do futebol total, uma final feita por jogadores de carne e osso que contam com a sorte para a bola entrar no gol. Cruyff a exemplo de Nelson Rodrigues foi prudente o suficiente ao descrever o futebol enquanto alheio a sorte. Parabéns Chelsea FC!

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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