Sócrates, Cuba e os moinhos de vento

Segundo notícia publicada hoje pela Folha de São Paulo e antecipada ontem pelo Blog do Birner, o ex-craque corintiano Sócrates deve ir colaborar com o futebol cubano. Ainda que admire Sócrates pela postura íntegra, o episódio me lembra tudo o que o Magrão faz depois de sua carreira como jogador: uma aventura quixotesca contra os moinhos de vento. Sócrates chama sempre a atenção pela sua disposição xiita de não compactuar com os vagabundos que contaminam o Lutando contra os moinhos de vento...Sócrates mundo do futebol. Ele poderia estar bem mais rico e posicionado caso tivesse seguido os mesmos passos de gente como Neto, Júnior, Casagrande e outros que aceitaram a doutrinação televisiva. O Doutor preferiu, no entanto, manter-se em sua firme peregrinação contra o mau-caratismo no futebol brasileiro. Não seira possível imaginar Sócrates estendendo a mão para o presidente da CBF. Como homem, Sócrates tem tantos méritos quanto tinha como jogador, um craque que não se completou por conta de uma carreira desregrada.

O idealismo quixotesco de Sócrates, contudo, não encontra eco no mundo real. Se ele for mesmo para Cuba, irá para seguir seus ideais pessoais. Obviamente, muito pouco sairá em termos de resultado. Sócrates é um sonhador, um entusiasta. Sua função é a de manter o sonho desperto e estimular realizadores a buscarem seus ideais, mas ele não é o cara para realizar. O Doutor decantou na entrevista dada à Folha os méritos da revolução cubana e da igualdade que ela trouxe para o povo. Há verdades e inverdades aí. Sem dúvida, Cuba é um exemplo de promoção do bem-social, onde as pessoas têm mais acesso à educação, saúde, esporte, etc. Mas também é verdade que é um regime cimentado com o sangue de opositores, paredões, massacres e perseguição. Como todo ditador, Fidel Castro é um assassino. Como disse Winston Churchill, a democracia é o pior dos regimes, excetuando-se todos os outros. Ditadores são ditadores. Abrir exceções para esta regra faz com que as avaliações tenham credos ideológicos. Pinochets, al-Assads e Ahmadinejads estão aí para provar.

Claro que imaginar Cuba chegando à semifinal da Copa do Mundo com seu camisa 10 sendo artilheiro da competição é um desenvolvimento esportivo da utopia de Thomas Morus. Sob esse ponto de vista, talvez a possível “contratação” de Sócrates faça todo sentido. O ex-jogador sonha e sem isso, os realizadores não conseguem chegar em lugar nenhum. Tivéssemos um ou dois Sócrates como bastiões morais na CBF, talvez tivéssemos alguns contratos a menos na camisa da Seleção, mas certamente haveria mais orgulho e mais caráter nos atletas que a vestem. O futebol de hoje precisa mais de caráter e princípios do que da eficiência havelangesca que gerou o sistema corrupto de Sepp Blatter. Então, quixotando ou não, que Sócrates tenha toda a sorte que precisa.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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