O desenho tático do Barcelona – um deles

Ingleses encontraram uma maneira de pará-lo...Lionel Messi

Só quando comecei a fazer o texto da análise tática do Barcelona foi que me dei conta do que eu iria fazer. Normalmente, para se ler taticamente um jogo, há determinadas referências que facilitam o trabalho do analista – as posições. No Barcelona, ainda há posições, mas exceção feita a Valdés, Piqué, Abidal e Villa, todo o resto é uma grande dinâmica. Daí nasce o brilho do time.Ingleses encontraram uma maneira de pará-lo...Lionel Messi

Defensivamente, o Barça é um dos melhores times do mundo. O cuidado com a defesa é total. essa afirmação certamente dá um nó na cabeça dos defensores do futebol alegre. “Não admito! O Barça tem um futebol alegre! E o futebol alegre é ofensivo e isso não é cuidado com a defesa”, dirão. Mas o fato é que nenhum time toma 21 gols em 38 jogos se não tiver cuidado extremo com a defesa. E o Barça faz isso. Só que faz isso – como todo o resto – só olhando para o gol. “Odeio improvisação na defesa. No ataque se improvisa, mas na defesa é automação”, disse Antonio Conte, neotécnico da Juventus, numa entrevista na semana retrasada. O Barça segue a regra à perfeição.

Valdés não é um prodí­gio, mas comanda bem a retaguarda. Não é acaso que a derrota para o Real na final da Copa do Rei veio numa ausência sua. Piqué é o jogador que atua mais recuado, mas não raro age como volante quando o time joga com o baricentro altíssimo, espremendo o rival em seu campo. Só que é no companheiro de Piqué que, na final, um desfalque foi virtuoso.

Barcelona na final da LC

Sem o machucado Puyol, Guardiola pôs Mascherano na zaga. 10 entre 10 analistas chamaram a atenção para a baixa estatura do argentino, mas realmente isso era absolutamente irrelevante. O ManchesterUnited não explora jogadas de cruzamento na área nem tem um cabeceador nato. Por isso, coma bola rolando, o “defeito” do zagueiro Mascherano virava uma virtude – ele acompanhava sempre o atacante de perto, dada a sua agilidade, e saía jogando com grande categoria. Na bola parada, o Barça podia invertê-lo com Busquets (1m89) na marcação dos melhores cabeceadores, e assim, fazia de um prejuízo (a ausência do capitão), uma vantagem.

Abidal naturalmente não estava no auge de sua carreira ao se recuperar de um tumor semanas antes, Por isso, Guardiola o colocou como o zelador assistente da defesa. Sim, ele descia ao ataque para acompanhar o bloco monolítico que é o Barcelona com posse de bola (cerca de 20-25m entre o primeiro e o último homem da linha), mas deixava muito mais espaço para Daniel Alves empurrar o United pela direita, encostando em Villa, Messi, Pedro ou quem estivesse de grená por ali.

As subidas dos laterais no 4-3-3 são vitais porque o time nesse esquema tem jogadores a menos na faixa lateral no meio-campo. Contra um time que jogue com um 4-4-2 tradicional (com dois externos de meio-campo) ou no 4-2-3-1 com pontas bem abertos, isso pode ser um perigo. Mas com Dani Alves jogando quase no meio-campo, o espaço sumia. Junto com isso, Xavi e Iniesta agiam como metrônomos mantendo a bola embaixo do braço esperando a hora do bote. Aí, Guardiola não tem pudor em deixar a improvisação liberada. Também pudera; com Xavi, Iniesta e Messi apoiados por Daniel Alves e Pedro movendo-se de uma ponta a outra, a marcação rival torna-se impossível, uma vez que o Barça passa muito (cerca de 650 passes por jogo) e acerta quase 85% deles.

Messi se posiciona como um centroavante, mas jamais precisa entrar na área para se bater com o zagueiro – ele ou passa a bola ou deixa o zagueiro sem sobra sentado. Essa função de se chocar com o marcador era a que Guardiola via em Ibrahimovic, que é excelente na função, mas tem um caráter dos infernos. Na esquerda, o pequeno gênio argentino limitava seu campo de ação – e já era genial. Pelo meio, ele não precisa correr para cima da zaga – tem mais campo à sua frente e tem Villa ou Pedro ou prendendo o zagueiro da sobra, que lhe dá espaço para jantar o marcador com um drible seco (ou dois, mas nunca, nunca mais do que o necessário) ou sozinhos no espaço para receber a bola. E os dois são grandes finalizadores, como van der Sar se deu conta em Wembley. No gol de Villa e no primeiro gol do Barça, Messi ditou o ritmo da jogada sem ter de ficar ao alcance de Ferdinand e Vidic.

O United se defendeu bem contra o Barcelona. Hoje é fácil criticar a escalação de Ferguson. Mesmo este colunista acha que um 4-2-3-1 poderia ter criado mais problemas, com os externos prendendo mais os laterais, mas a verdade é que o Barça provavelmente teria dado um jeito. Bastaria Busquets dar um passo a mais com Daniel Alves, recuperar a maioridade numérica e voltar a mandar no jogo. Ou qualquer outra coisa. O Barça é assim estratosférico.

Quando um time tem muito talento, é difícil organizá-lo. Solistas são solistas e não aceitam tocar com a orquestra. Mas este Barça tem sua magia na catequese da Masía, a horta que produziu sete dos 11 titulares catalães. Ali, eles aprenderam que gregários e craques precisam servir o time. Busquets seria um jogador mediano no Valencia ou no Real; no Barcelona, é um grande jogador. E Messi seria um cracaço em qualquer time. No Barça, está se elevando à categoria de divindade.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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