Papelão do Milan ou retrato da Itália?

Há dois modos possíveis dos dirigentes italianos entenderem a derrota do MIlan para o Tottenham. A primeira é a tradicional – argumentar que isso é uma vergonha, que o Milan fez um papelão, que os ingleses provocaram, etc. A segunda é dar graças a Deus que a França, quinta colocada no ranking de países da Uefa, ainda está a uma diferença que permite aos italianos ter tempo para reorganizar seu futebol, cuja queda livre começou em 2006 e não teminou mais.

Na semana que vem, a Internazionale irá a campo para enfrentar o Bayern de Munique e a Roma pegará o Shakhtar Donetsk. A competição pode ir às quartas-de-finais sem que haja nenhum italiano classificado. Não será surpresa nenhuma. Mesmo a Inter campeã europeia não é mais nem sombra do time de Mourinho. A “vocação ofensiva” que chegou com Leonardo é uma marca freqüente de treinadores recém-contratados e mais cedo ou mais tarde começará a cobrar seu preço na eficiência da retaguarda em termos estatísticos. Montar um time com um bom ataque requer talento dos jogadores. Montar uma boa defesa requer muito treino, um técnico que entenda muito do riscado e dedicação cega dos jogadores. Acho que Leonardo – por melhor opinião que tenha dele em sua curta e surpreendente carreira até aqui – pode, no máximo, dar muito treino a seu time.

Mas a discussão não é em relação à Inter ou ao derrotado Milan, A vitória do Tottenham é a de um time que, nos últimos cinco anos, pôde contratar praticamente todos os jogadores que quis. O Milan, ao contrário, teve de aproveitar com extrema competência as barganhas que teve à sua frente – e o fez, gastando menos de €40 milhões para contratar Ibrahimovic, Robinho e Cassano, quando esse valor foi pouco menos do que o Manchester City gastou só para ter o brasileiro. Assim, quando se confronta um time com amplos meios financeiros e que monta o elenco que quer contra um que contrata quem pode, quem se espera que vença?

O futebol italiano, por mais belo e apaixonante que seja, está num estado semi-comatoso. Seus clubes têm estrtuturas dispendiosas (com folhas salariais fora da realidade para suas arrecadações), mas jogam em estádios obsoletos. O único clube grande do país que trabalha para diminuir despesas e aumentar arrecadação é a Juventus, que deve terminar seu estádio em 2012. Nenhum jogador de ponta vai à Itália como primeira opção porque o país não pode mais pagar os melhores salários (hoje, mal e mal consegue competir com os maiores clubes alemães, notadamente conservadores quando se trata do assunto). Somente a Internazionale teve investimentos vultosos recentes porque sua diretoria sabe que a hora de encher a sala de troféus é agora, com Juventus e Milan nas cordas (ou tentando sair delas). A mesma regra se aplica ao desespero do Manchester City querendo superar o United enquanto pode torrar dinheiro. Sob as regras da Uefa que impedirão aportes econômicos dos donos milionários, os clubes que faturam mais poderão mais – como sempre ocorreu. Azar dos Hoffenheims e Málagas; sortes dos Barcelonas e Bayerns.

É bem verdade que o crescimento econômico dos clubes ingleses não teve só a ver com bons gestores financeiros. A Inglaterra teve aportes monstruosos de dinheiro vindos de personagens que são frequentemente atrelados à corrupção, venda de armas, crime organizado e favorecimentos estatais em países com regimes menos democráticos. Barcelona e Real Madrid investem freneticamente o seu dinheiro, deixando um rastro de dívidas, mesmo com faturamentos imensos. Somente a Alemanha, por conta de uma legislação menos insana, aponta para um crescimento real no cenário europeu que deve lhe dar uma vantagem quando o castelo de cartas de Chelseas e Manchesters Citys vier abaixo.

Sinceramente não acredito que Inter e Roma passem de fase embora não seja impossível – especialmente o time de Milão, ainda repleto de grandes individualidades. Os clubes italianos não aceitam dar um choque de gestão porque isso implicaria numa renovação nos dirigentes e esses se apegam ao poder de uma maneira doentia. Mais cedo ou mais tarde isso vai ocorrer, por bem ou por mal. Até agora, tudo indica que será mais tarde e por mal. Pior para “i tifosi”. Mesmo interistas e juventinos deviam chorar lágrimas de sangue pelo triste espetáculo de ontem. Ali, esvaindo em sangue, não estava o Milan. Era o ‘calcio’ pedindo ajuda.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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