Acompanhei do exterior a enésima tragédia americana de um demente armado abrir fogo contra inocentes. Os EUA me parecem um país e uma cultura além da salvação. Há ódio demais entrincheirado na mente das pessoas por razão nenhuma, ou quase isso, assim como o ódio de católicos por protestantes na Irlanda do Norte, muçulmanos por israelenses em Jerusalém ou paquistaneses por indianos na Ásia, ou ainda hutus e tutsis em Ruanda, Tanzânia e Burundi. Traços deuma insanidade atávica que acompanha o homem desde o momento em que ele se equilibrou nas patas de trás.
O pequeno parêntese que eu faço aqui trata de uma polarização que acontece no Brasil e que ainda está em sua gênese – e por isso, é mais do que superável. Na campanha eleitoral os debates políticos se aqueceram separando serristas e lulistas em pólos extremos, como se os dois tivessem trilhado caminhos diferentíssimos. Na verdade, só não estão no mesmo partido por causa da pequenez e da mesquinharia que são tão típicos da política. Em linhas gerais, sempre vi o governo que se encerrou como uma continuação do anterior, e cujas concretizações foram mais aparentes porque as ferramentas para tal tinham sido estipuladas nos oito anos anteriores com coisas que não chegam aos bolsos e corações (ou estômagos) das pessoas, como privatizações de estatais corruptas, investimentos em infraestrutura e abertura de mercados antes pertencentes a meia dúzia de suseranos. Serristas e lulistas debatem furiosamente para defender seus egos e orgulhos. O problema é que criam uma cultura de divisão que só beneficia a eles mesmos (às vezes, nem isso), mas cujo rastro pode se fazer sentir.
A tentativa de assassinato da congressista americana Gabby Giffords é uma herança do rastro de ódio pavimentado por George W. Bush, com o auxílio de mentecaptos como a neofascista Sarah Palin e as águias da direita americana. O povo lá debate furiosamente por razões que os políticos levantam em seus palanques, mas raramente conhece a fundo.
A ignorância é uma bênção da qual poucos têm a coragem de despertar, mas muitos a levam como bandeira em suas guerras. O extremista que atirou na congressista era um desses ativistas de redes sociais, que em seus discursos solitários desfraldavam uma mixórdia de burrice e desconhecimento cobertos com um manto da verdade comprado na Feira de Acari.
No caso americano, a radicalização do debate é mais perigosa porque é uma nação armada. A obsessão deles com as armas é tão clara nos Wal-Marts que vendem armas automáticas quanto nos porta-aviões nucleares que vagam pelo mundo. Temos a sorte, por incrível que pareça, que no Brasil, esse arsenal seja exclusividade do Estado e dos bandidos, mas talvez pudéssemos aprender como essa polarização política vazia pode ser nociva. Acreditar que o governo atual mudou os rumos do país ou que a oposição quer evitar a hecatombe final não é só uma demonstração de pobreza de raciocínio de ingenuidade. É também algo que trará consequências amanhã. Precisamos mais do que nunca de uma oposição construtiva e de uma situação menos ensandecida pelo poder. Ou seja: precisamos de um milagre…
Não sei se FHC teria feito mais, mas certamente Lula poderia ter feito mais. Preferiu investir seu capital político na consagração de si mesmo em vez de fazer as reformas tributária e política que poderia fazer.Teria sido responsável pela refundação do Brasil. Só que isso teria lhe custado a popularidade e definitivamente, Lula está obcecado consigo mesmo. abs
Michel, o governo FHC fez reformas que viabilizaram fundos com os quais o governo Lula pôde distribuir renda, mas com este último cometendo o pecado de se manejar politicamente o programa para criar seu próprio coronelismo com cartão magnético. Ao meu ver, um governo é continuação do outro. Se houvesse mais oito anos de FHC, a história teria sido semelhante, embora de fato FHC jamais tivesse a mesma popularidade porque Lula se comunica melhor (muito melhor) com o povão e tem um perfil populista que, apesar de vantajoso para ele, me dá calafrios. Ele se afeiçoou ao poder e isso é sempre perigoso. Abraços
Não. E não é por falta de vontade. É por falta de convites e tempo… :-S
Valeu, Giuliano. Um abraço
“Em linhas gerais, sempre vi o governo que se encerrou como uma continuação do anterior, e cujas concretizações foram mais aparentes porque as ferramentas para tal tinham sido estipuladas nos oito anos anteriores com coisas que não chegam aos bolsos e corações (ou estômagos) das pessoas, como privatizações de estatais corruptas, investimentos em infraestrutura e abertura de mercados antes pertencentes a meia dúzia de suseranos.”
É isso aí!
Só faria um adendo: as “concretizações” também foram estimuladas por um cenário externo incrivelmente róseo na maior parte do governo Lula. FHC poderia ter feito mais na gestão dele; Lula poderia ter realizado muito mais.
Olá Cassiano,
Sobre as similaridades entre os dois últimos governos do Brasil, concordo em partes. O volume de casos de corrupção foi praticamente o mesmo, mas há uma diferença crucial: Enquanto o governo FHC pregava um Estado que procurava se envolver o mínimo com a economia popular (algo defendido pelo próprio FH na famosa entrevista no Manhattan Connection) o último governo tinha ações claramente voltadas para os mais pobres. E isso, com justiça, fez diferença nas urnas.
Abraços.
Boni não, Borges… 🙂
Boni,
falta de capacidade ou mera conveniência, são poucos os que se manifestam a esse respeito. Em qualquer dos casos, é lamentável.
Giuliano, acho que existem muitos na imprensa que são sim capazes e apenas não querem perceber aonde vamos. Não os convém…
Por exemplo, as capas da IstoÉ e da Veja com Serra e Dilma é um dos episódios mais lamentáveis da imprensa brasileira, símbolo do buraco negro ao qual estamos sendo drenados.
Há algum veículo onde vc escreve unica e exclusivamente sobre política?
Abs
Cassiano,
Excelente texto. Não lia um texto tão lúcido na imprensa brasileira a uma eternidade, o problema é que infelizmente muito poucas pessoas são capazes de perceber esse caminho perigoso que estamos trilhando.