Deixei passar alguns dias para poder falar dos pênaltis do final de semana. Todo mundo – exceto corintianos – acha que não foi pênalti o lance marcado por Sandro Ricci em Ronaldo nem o lance marcado para o Fluminense. Discordo. Na minha leitura, os dois lances, apesar de não serem exemplos crassos de infração, não foram escândalos. Marcação de pênalti ou não, o lance causaria a mesma polêmica. Só mudaria o lado dos queixosos. Se houvesse marcação de “meio pênalti”, seria o caso. Como o árbitro tem de dar ou não, eles marcaram. Ed é scattato il putiferio.
Uma coisa é fato: o juiz não teria dado pênalti em nenhum dos dois lances se fosse contra o dono da casa. Jamais. Não há árbitro brasileiro com colhão suficiente para tanto. O Corinthians jogou no Pacaembu lotado quando deveria ter tido de jogar fora de São Paulo em decorrência da perda de mando de jogos e o estado do caldeirão do Pacaembu não deve ter feito pouca pressão em Sandro Ricci. O lance do Fluminense foi, eu diria, igualmente duvidoso, mas da mesma maneira, não haveria penalidade se fosse a favor do pior Goiás dos últimos anos.
O descalabro do futebol brasileiro não está na marcação dessas penalidades. Está em todo o resto. Está no escândalo que é ver Ricardo Teixeira como sócio da Fifa no Comitê Organizador Local da Copa, está no fato de ver o insuportável Andres Sanches almejando espaços que não poderia ocupar nem em sonho, está na diretoria do Palmeiras dar um endogolpe para manipular o clube aproveitando-se da condição clínica de Luiz Belluzzo, está no alinhamento sistemático de clubes com pessoas de bem como o Santos à CBF. Está, eu diria em todos os lados.
Se o Corinthians vencer o Campeonato Brasileiro como um time e rendimento medíocres (internautas mais afoitos, favor observar TODAS as interpretações para o adjetivo em algum dicionário antes de me brindar com comentários javantropos), a culpa é do resto, que está abaixo disso. Um time que não consegue bater o Goiás dentro de casa não tem o direito de reclamar nem de sorte nem de arbitragem. O Brasileiro dos últimos dois anos não teve times fortes. O equilíbrio exacerbado, com quatro, cinco, seis times chegando ás últimas rodadas podendo ser campeões, é uma marca de campeonatos toscos, como a terceira divisão romena ou a liga marroquina. Times grandes e realmente bons não perdem oportunidades nem vencem títulos com 60% de aproveitamento. A enésima prova disso é a celeuma que a marcação de um pênalti – duvidoso, mas não escandaloso – causou. Um campeão medíocre só sai de um campeonato medíocre – que pode até ser emocionante, mas é tão tosco quanto a Fórmula Indy ou o boxe de hoje em dia.
Realmente o último parágrafo destoou do resto do texto e concordo com o Michel em seus apartes.
O fato de, no Brasileirão, o aproveitamento ser medíocre não desqualifica o torneio. Muito pelo contrário, o qualifica, pois há mais times com chances de brigar pelo título e na luta contra o rebaixamento. Ocorre aí uma divisão mais equânime dos pontos exatamente pela pequena diferença entre os times. Alguma equipe disparar e vencer com grande antecedência é a exceção por aqui.
E também não acho que o Brasil formará uma elite de poucos clubes como os países europeus. A formação futebolística daqui é muito diferente de lá (dimensões continentais, grande peso dos estaduais por bastante tempo, muitos grandes clubes, dentre outras), permitindo grandes mudanças de uma temporada para a outra (ex.: Flamengo e Fluminense de 2009 para 2010). Só consigo enxergar dois times como participantes dessa potencial elite: São Paulo e Cruzeiro. O resto é japonês.
Diogo, somos a elite do futebol mundial na preparação física, mas na Europa, em um jogo, se corre muito mais do que aqui. O Ronaldo é um exemplo claro disso: lá, ele não jogava mais. Aqui, é um monstro, mesmo com 100 kg. abs
O que eu quero dizer é que em um jogo, tudo pode acontecer. Em dois (ida e volta), isso cai drasticamente. abs
Concordo. Não é uma lástima completa, mas não é fraco, é medíocre, na acepção da palavra – todo mundo fica perto da média (50%). O campeonato melhorou em relação há 10 anos, mas piorou se comparado há mais tempo. Ligas sem times grandes tendem a ficar medíocres. O Brasil tem desenhado uma nova elite dos pontos corridos – Cruzeiro, São Paulo, Grêmio e Internacional tem tido mais torneios brigando na ponta do que na rabeira – mas ainda assim, são irregulares demais para serem considerados a nova elite. Quando tivermos essa elite consolidada, o nível técnico vai crescer. É assim no mundo todo. Um exemplo é a França e a evolução técnica do campeonato com a consolidação do Lyon e o aumento das receitas. Mas no geral, concordo com você em quase tudo. Só acho que o nível técnico aqui ainda é bem pior do que poderia ser. abs
Quanto a questao fisica, nao vejo como algo depreciativo. Cada vez mais os esportes profissionais necessitam mais de ATLETAS. Talvez seja um problema do futebol em geral. Vejamos as ligas americanas onde os jogadores estao cada dia mais preparados quando estao elegiveis para o DRAFT e o nivel tecnico nao diminui. No tenis o melhor do mundo atualmente eh um MONSTRO fisicamente. No volei cada vez mais os jogadores sao mais fortes e maiores. Enfim vejo como uma tendencia dos esportes de alto rendimento. Somente no futebol que fazemos essa distinçao de tecnica e fisico. Sinceramente nao sei o porque disso, pois PELE exemplo maximo era fisicamente superior a todos os outros, Ronaldinho Gaucho no auge era um monstro fisicamente, Cristiano Ronaldo idem.
Acho que o que realmente acontece é o seguinte: o campeonato brasileiro tem passado por um processo inegável de mediocrização técnica (fisicamente, somos a elite do futebol mundial, mas nenhum comentarista de Arena Sportv ou Terceiro Tempo percebe isso), mas isso não significa que o hiato entre nosso futebol e o europeu tenha se ampliado. Porque se nós revelamos cada vez menos jogadores, imagine então nos países europeus. Isso só vai ser revertido no momento em que se parar de dar prioridade ao preparo físico em detrimento da capacidade técnica. Aos 18 anos, o garoto já está bombado, mas ainda não aperfeiçoou fundamentos básicos como controlar a bola, ler o “timing” das jogadas e por aí vai. Parece que a parte física e a técnica são excludentes – ou se é um cabeça-de-bagre que correria os 100 metros rasos, ou se é um jogador habilidoso com preguiça de correr atrás da bola. O hiato entre estes dois fatores precisa ser diminuído – o quanto antes.
Ah, e tem mais.
Metendo o bedelho na resposta dada ao Boni, não compararia os duelos europeus vs sul-americanos com disparates como Real Madrid vs Alcorcón. Se os Merengues enfrentarem esse time mais nove vezes, ganharão as nove.
Já na disputa intercontinental, o buraco é mais embaixo. Estatisticamente, mesmo após a Lei Bosman, os duelos nunca foram tão abissais como alguns podem pensar. Ainda mais quando o assunto são os jogos entre o ótimo Boca de Bianchi ou times brasileiros encarando a turma do Velho Continente. O Vasco jogou de igual pra igual com o Madrid e o Palmeiras foi melhor que United quase o jogo inteiro. Em 2005, o SPFC fez um 1º tempo mais franco contra o Liverpool mas, quando marcou, se fechou como uma ostra e passou a impressão de que o jogo inteiro foi assim. O Inter jogou fechado contra o Barça, porém, cá entre nós, quem não joga?
Abraços.
Cassiano,
Vou tentar explicar minha visão sobre o Brasileiro. Talvez possamos chegar a um denominador comum.
Como forma de exemplificar, costumo dizer que o nosso campeonato lembra as melhores ligas do mundo com uma diferença crucial: Não temos gigantes há alguns anos. É como pegar um campeonato entre Premier League, La Liga, Serie A e Bundesliga e cortar Manchester United, Chelsea, Arsenal, Liverpool, Real Madrid, Barcelona, Inter, Milan, Juve e Bayern. O que sobra, na minha visão, está mais ou menos no nível do Brasileiro.
No geral, são desempenhos técnicos razoáveis e receitas boas, mas infinitamente menores quando comparadas a turma citada acima. Times como Roma, Manchester City e Tottenham faturam até mais, mas suas equipes são mais acessíveis.
Com isso, temos um campeonato abaixo do que foi um dia e inferior a essas quatros ligas, porém não é úma lástima completa.
Caros (em particular Michel, com quem frequentemente discordo sobre essa questão da qualidade do Brasileiro): uma coisa é a opinião, outra, o fato.
Campeonatos que chegam às últimas rodadas com quatro ou cinco candidatos disputando o título são campeonatos de menor nível técnico: fato (vc não vê isso acontecer no Espanhol, Inglês ou Italiano). Peço aos amigos que me mandem as classificações finais de outras grandes ligas com vários clubes sistematicamente disputando o título nas últimas rodadas (farei um post sobre o assunto). Os clubes mais fortes não são mais fortes por causa da TV. O Real Madrid já era mais forte há 50 anos, bem como Juventus, Porto e Manchester United. Tirássemos a TV toda e eles continuariam a ser potências (embora – fato – a TV aumentou o hiato entre grandes e pequenos).
O Flamengo campeão brasileiro e o futuro campeão deste ano tiveram campanhas medíocres: fato (vencer um torneio com pouco mais de 60% de aproveitamento indica uma proximidade maior da metade dos pontos disputados que dos 100%)
O nível do Brasileiro ser baixo (ou não): Opinião. Eu acho que o nível tem melhorado, mas as duas últimas temporadas foram bem fracas (a ponto de um estrupício como o Petkovic ser o destaque do torneio passado e neste ano, nem isso). Se outras pessoas acham o torneio de bom nível, tudo bem. Cada um acha o que quiser e tem todo meu respeito.
O fato do Brasileiro ser competitivo: não creio que ninguém discorde disso. A diferença é a leitura: para mim, essa competitividade é demérito dos clubes tradicionalmente fortes (São Paulo, Cruzeiro, Internacional, Grêmio) em parte ou todo o campeonato; há quem veja aí uma virtude do torneio. Eis o legítimo assunto para a conversa no boteco (que infelizmente, a maioria das mesas redondas faz se levando a sério…).
Um abraço
Boni, o Vélez Sarsfield bateu a Juventus campeã europeia, os Estados Unidos ganharam da Inglaterra e o Alcorcón ganhou do Real Madrid. Num jogo seco, especialmente um no qual a importancia para os sulamericanos é maior, tudo pode acontecer. abs
Assim como o Boni, discordo do último parágrafo. Não considero o Brasileirão um campeonato maravilhoso, mas acho que o julgamento feito no texto foi mais cruel do que deveria.
Para mim, nosso campeonato não tem times fortes como um SPFC de Telê ou um Palmeiras Parmalat (pra citar exemplos recentes), mas segue sendo competitivo como era e é, por exemplo, a Ligue 1 antes e depois do hepta do Lyon ou como a Bundesliga nas temporadas em que o Bayern não liga o turbo.
Além disso, é bom dizer que equilíbrio sempre será uma característica positiva numa competição independente de qual seja. O desnível é que é negativo. Ver Barça e Real Madrid disparando em La Liga não pode ser visto como algo bom do futebol espanhol. Pelo contrário. É apenas reflexo de uma péssima distribuição dos recursos de TV e de interferência política (no caso do Madrid). O mesmo se aplica à Premier League na época em que o Top4 passeava em campo.
Não alivio nas críticas que a cartolagem daqui merece, no entanto, se existe algo interessante no Brasileirão é seu caráter competitivo.
Abraço.
Muito bom. E para não desmascarar a impressionante mediocridade em que se afunda o fut brazuca, alguns comentaristas classificam as partidas que analisam como “intensas”. Sei, sei…
O Falcão parece ser um dos poucos a nadar contra a corrente e outro dia disse que o nível físico das partidas pode ter aumentado, mas o técnico foi na direção contrária.
Sobre o pênalti em cima do Ronaldo, fico com a primeira impressão que tive ao ver o lance: depois de qualquer goleiro bater um tiro de meta, normalmente ocorre coisa bem pior nas disputas aéreas no meio-campo e os árbitros costumam não marcar nada.
Gostei dos primeiros três parágrafos, mas no último..
eu quero ver quando a Inter de Milão perder para o Internacional de Porto Alegre no próximo mês (o que é provável)
Ufa! Finalmente uma análise equilibrada… Parabéns!