Operandi Teixeira e companhia

Sintomática a entrevista de Ricardo Teixeira no “Bem Amigos”, da Sportv. O capo cebeefiano falou como se estivesse assumindo uma empresa falida por outrem. Ou seja: Nós ganhamos, vocês perdem. A culpa da derrota foi jogada no colo do treinador que ele “inventou”. Ninguém contratou a comissão médica que errou no diagnóstico de Elano, ninguém permitiu uma rede de favores evangélicos. Nada. Agora, na escolha do técnico de 2014 – o cargo de maior importância no país em termos históricos – Teixeira age com o mesmo descompromisso de sempre. O importante não é vencer. É obedecer.

A comissão técnica derrotada foi montada por Teixeira. Ele inventou que Dunga era técnico, que Jorginho era auxiliar e que Runco era médico. O último tem uma carreira. Fato. os dois primeiros têm no currículo a glória de Deus, segundo eles mesmos. Para aconseguir o cargo, comeram o pastel de subserviência desde a Rua da Alfândega. Nada além disso. Teixeira assinou embaixo porque precisa ter 100% de poder. Como eu disse num post anterior, Teixeira não tem nem nunca teve problemas em jogar ex-aliados no lixo, algo que fará com o próximo técnico, com qualquer jogador ou com o presidente Lula, desde que ache necessário.

Lendo um texto de Claudio Weber Abramo no blog do Juca Kfouri, atentei para outro fator que deve ter tido importância no Brasil de Dunga, o fator religião. O Brasil é um país que garante liberdade de culto, mas uma série de religiões interpretam esse respeito como querem. Ou seja, é um absurdo tentar coibir que uma igreja qualquer faça uma gritaria sórdida dia e noite ao lado da sua casa, numa demonstração do fanatismo ignorante que é tão distante do Evangelho como nós somos do Big Bang. Por outro lado, quando se trata de escolher alguém para um cargo, o preconceito reverso – de dar mais chances a quem acredita no deus feito na mesma fábrica – é legítimo. É uma leitura adaptada da democratura do PT, da esquerda mesozóica do Brasil ou de qualquer quadrilha que esteja no poder: o poder conosco é democracia, o poder com outros, arbitrariedade. A leitura irresponsável de Lúcio pedindo o fim do racismo e adicionando seu pitaco religioso faz dele exatamente o que faziam os vendilhões do templo, num episódio conhecido até para quem não leu a Bíblia.

Ricardo Teixeira é muitíssimo inteligente, mas tem uma cultura chã de um funcionário público acomodado na sua rede de poderes. Ele não tem capacidade para se dar conta do que representou a derrota do Brasil em 1950. Sabe apenas que, conseguindo um sucesso em 2014, poderá capitalizar com isso. Não está disposto, contudo, a ceder poder para uma seleção melhor. Ainda será a seleção do patrocinador mais ignorante em termos de futebol na história, dos agentes, dos vendedores de placas e dos cartolas corruptos. Esses cidadãos não têm noção de como a identidade brasileira é profundamente marcada pelo Maracanazo. Não só a da Seleção, mas do povo como um todo. Por isso – e por conta de um desprezo profundo que eles têm pelo país – escolhe-se o treinador dessa Seleção tão especial com um cuidado nulo.

Espero que Felipão seja o escolhido porque, primeiro, vejo nele um cara decente; segundo, porque ele tem a tenacidade necessária para suportar no cargo, terceiro, porque tem um compromisso com as pessoas, quarto, porque tem um conhecimento mínimo de futebol para assumir a tarefa e quinto, não é um simples abanador de cabeça, om obedecedor, diferentemente da comissão demitida. A próxima Copa do Mundo precisa de 23 herois, homens. Não se trata só de uma Copa nem só de uma Seleção. Teixeira não está à altura de comandar uma federação. Quanto mais de lapidar a identidade de um povo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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