Esta Holanda e outras Holandas

Torcerei para esta Holanda na final. Não me importa se ela não é a mais bonita de todos os tempos, se há quem consiga não achar Sneijder um craque ou se alguém cisma em dizer que ela é violenta, ou qualquer outra bobagem. A Holanda é uma escola de futebol que merece entrar para o grupo das campeãs do mundo, muito mais do que qualquer outra.

Ao contrário do que ouvi mais de uma vez nesta semana, a Holanda de 1974 não foi uma surpresa absoluta. Foi uma surpresa para os brasileiros, que desde sempre (e ainda hoje) não prestam atenção no futebol de nenhum lugar. Fato: nem base do time o Ajax era (tinha seis jogadores contra sete do Feyenoord) mas a lógica do Totaalvoetbal vinha sendo construída desde o lendário massacre do Liverpool pelo Ajax em 1966 (o famoso “jogo da neblina). O time do Ajax era: Bals; Suurbier, Pronk, Soetckouw, Van Duivenbode, Groot, Muller, Swart, Cruyff, Nuninga. Bem diferente do 4-3-3 da final contra a Alemanha: Jongbloed; Suurbier, Rijsbergen, Haan, Krol; Jansen, Neeskens, Van Hanegem; Rep, Cruyff e Rensenbrink. Mas o de 1966 foi a apresentação do futebol que mudaria o mundo. Um goleiro com a camisa 8, um meia na zaga, um armador de centroavante e um ala na lateral. Radicalíssimo.

O futebol holandês é baseado na ocupação do espaço, muito mais do que no drible, como é o caso do inconsciente brasileiro. A tônica ainda vale. Sem dúvida é um time menos técnico do que o habitual, mas a essência está lá. Se se desse ao trabalho de estudar adversários, Dunga teria sabido disso. Ao contrário, assim como boa parte da mídia, não escalaria van Bommel (um jogador do Bayern que passou pelo Barcelona) de “bonde” e saberia que a chave para afundar a Holanda estava na esquerda, onde van Bronckhorst sofreria com a velocidade de Alexandre Pato. Ah, Pato não foi à Copa? Desculpe então…

O ponto que mais me incomoda nessa Holanda é sua virtude: não jogar com centroavante. Van Persie, um atacante externo, começa por ali, usa a camisa 9, mas não é o atacante. Todos os quatro – ele, Kuyt, Robben e Sneijder – se alternam no papel de finalizador e por isso, mesmo sem ter alguém para segurar a zaga rival, a Holanda dificulta a marcação.

Outro incômodo (e ponto “explorável” da Holanda): a defesa é formada por laterais de origem. Exceção de Heitinga (um meio-campista na divisão de base do Ajax), nenhum joga habitualmente como zagueiro e por isso, os dois mais altos são Boulahrouz e o próprio Heitinga, com 1m83. Ooijer, veterano de 35 anos, é o único central fixo com mais de 1m80. Braafheid (a aposta de van Gaal que flopou no Bayern), tem 1m76. Ou seja, apostar em bolas altas teria sido interessante, com os belos cruzamentos de Gilberto. Hã? De qualquer modo, essa é outra característica holandesa: a de defensores de outras posições.(vide Arie Haan).

Outra característica essencial: o pressing. O time holandês prega um mantra de Rinus Michels, o de que o ataque começa na defesa, na agressão do adversário para pegar a bola, ainda em seu campo. Robin van Persie começa a pressão assim que possível e o time joga curtíssimo para sempre haver uma dobra de marcação. Não é à toa que o time não perde há dois anos. Esta Holanda parece ser menos ingênua do que as anteriores e prioriza a defesa.São só 18 gols tomados em 28 jogos. Mas o ataque segue marcante: foram 54 marcados no processo – uma média de 3 por jogo, mais do que a média histórica da Holanda, de 2,04 gols.

Um time baixo, com jogadores fora de posição, lento. Como é que o Brasil não conseguiu vencer esses caras? Pois é. Ao invés de ficar indignado, é legal dar uma olhada no passado e se dar conta de que futebol não se joga de um jeito só. E sim, anões lentos e improvisados podem jogar muito. Há muito tempo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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