Além do futebol

O dramático e policial enredo criado pelo goleiro Bruno em sua vida nos faz lembrar que o futebol pode até ser mais importante do que vida ou morte, como disse Bill Shankly, mas desde que não se trate de uma interpretação literal. O que me consome nesses dias de Copa em relação ao assunto é o modo como a cobertura e investigação do caso vêm sendo conduzidas e com a hipocrisia de todos em relação à vida particular dos jogadores.

Se Bruno é ou não um criminoso a Justiça vai decidir – espera-se. Uma coisa ele não é: um atleta de comportamento único. O lifestyle do goleiro é exatamente igual ao de tantos e tantos boleiros,sendo que este é mais do que sabido por qualquer jornalista que tenha feito a cobertura de um clube na vida. As festas que os jornalistas frequentam não são feitas para se discutir Lacan e as mulheres que se aproximam dos mesmos raramente se dedicam à filantropia assistencial para pobres. O título da revista Veja, “Traição, orgias e horror” foi tão infeliz quanto preciso. Infeliz porque mantém a leviandade digna do caso em todos os aspectos e precisa porque a vida desregrada dos jogadores, semianalfabetos que se julgam deuses em muitos casos, é uma regra useira e vezeira. Finge-se que se está horrorizado diante de um comportamento que campeia – em relação à promiscuidade, desrespeito e violência não seguida de assassinato, diga-se.

Independente do desfecho do caso, já há aberrações jornalísticas e policiais. O delegado encarregado do caso, Edson Moreira, já estaria exonerado e acusado de perjúrio em qualquer sociedade decente. Mesmo que ele tenha certeza que Bruno é culpado, sua ânsia por mídia – compreensível e inaceitável na mesma medida em que se imagine o zero á esquerda de relevância que deve ser a sua vida – desqualificou qualquer chance de uma investigação precisa. Na Inglaterra, qualquer rábula livraria Bruno da cadeia alegando imparcialidade da mídia e vazamento de informação relevante ao caso. Mas lá é a Inglaterra, que pode não ter uma seleção decente, mas tem um conjunto de leis e um judiciário sólidos e sérios.

Em relação à cobertura, a lógica é similar. Tudo indica que Bruno é culpado, mas também tudo era nítido nos casos do Bar Bodega, Escola Base e afins, hoje clássicos casos de irresponsabilidade de delegados e jornalistas oportunistas. Se, por um acaso, Bruno for – ou fosse – culpado, ele voltaria a ter uma vida normal depois de ser capa de uma revista como réu (semi)confesso?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top