Brasil com cara de Dunga

Não reclame da ausência de Ganso. Muito menos da de Neymar. Ronaldinho, então, nem pensar. Pato, Adriano, Klebers e afins também não são motivos. Talvez a lista de Dunga não seja a ideal (ou melhor, está bem longe disso), mas é uma lista que ele construiu com o tempo, com a sua cara, com a cara de sua personalidade: um cara que leva tudo para o pessoal e não sabe gerenciar estrelas.

Dunga, não nego, está tendo uma bela dose de coragem. Ao escalar um único armador, está apostando no trabalho contra a ausência de seus enfants terribles: Ronaldinho, Adriano, Ronaldo Nazário, Pato e afins. Sua prioridade: o grupo. É um direito dele achar que unica e exclusivamente o grupo pode salvar a Seleção numa Copa. É direito meu (e de qualquer um) achar que ele está parcialmente errado.

Vejamos antecedentes: Scolari não levou Romário, ok, mas tinha Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho em grande forma, além de usar um esquema onde os dois verdadeiros armadores eram os alas. O atenuante não vale para Dunga. Se ele pretende fazer de Michel e Maicon os dois propulsores do time, teria de usar mais um zagueiro. Gilberto Silva? Na única aparição dele como zagueiro na Seleção, ainda com Scolari, o resultado foi cataclísmico.

Um outro ponto é que Dunga não “queria”usar somente laterais como armadores e abrir mão de seus meias mais talentosos. Ronaldinho não ter atendido um celular na entrega das medalhas na Olimpíada também teria ajudado. O mesmo vale para Alexandre Pato e Adriano. Certamente ele usaria Ganso se a imprensa paulista não tivesse enchido tanto seu saco e, principalmente, se Ganso tivesse tido uma convocação antes de ontem. Neymar, a mesma coisa, com o agravante de Neymar, com a violenta bagagem de um título paulista sobre o Santo André, perdendo o jogo final, tem a arrogância de um Maradona.

Assim, na sua luta particular para se vingar daqueles que já se vingou – os que o crucificaram em 1990 na Era Dunga (que o engoliram em 1994), Dunga criou um grupo de jogadores fiéis a ele e capazes de serem fiéis uns aos outros. nenhum problema, ao meu ver, no fato em si. Acho que ter um verme como John terry no grupo não é bom, por mais que ele seja um craque (que nem é). O problema é que a obsessão do técnico limou o que poderia haver de melhor junto dele. O resultado é que, Kaká à parte, os melhores jogadores da Seleção são os laterais (exceção também feita a Gilberto, jogador mediano até a medula).

Em particular, me chama a atenção um detalhe: a lista dos sete “reservas” – da qual pelo menos um está fadado a disputar a Copa, já que em nenhum período de treinamento recente não houve pelo menos uma lista de convocados que não teve uma baixa – tem muito mais nomes que eu aprovaria. Exceção feita a Diego Tardelli, creio que todos superam ou empatam os equivalentes da lista principal. Seguindo a sombra de sua preocupação, Dunga fez uma concessão à sua inteligência. Caso algum de seus convocados se machuque, ele terá um ganho de qualidade e não “trairá” ninguém.

Essa Seleção pode ganhar a Copa? Em tese, pode. Se a defesa se comportar como deve (porque é a melhor linha defensiva que temos em muitos anos), Ramires ganhar um espaço e se converter no meia que falta nesse time, Kaká jogar como pode, sim, podemos enfrentar quem quer que seja. O problema é a quantidade de “ses”. Essa Seleção tem a marca de Dunga: uma marca escrita com garra, é verdade, mas também rancor. Se ganhar, mitifica-o como um que não desiste nunca, um brasileiro. Se perder, enterra tudo o título de 1994 e ele será o único nome responsável por duas “Eras” de derrota na história do futebol brasileiro. É um fardo e tanto.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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