Hoje li a coluna do Juca Kfouri na Folha de São Paulo onde ele abordava a questão da violência das organizadas e a falta de interesse de cobrir o assunto demonstrada pela Folha e por outros órgãos. O argumento de Juca é pertinente. Se bem entendi, ele diz que a Folha e outros jornais não batem mais na questão porque o leitor não se interessa mais no assunto, e que mesmo que seja ele o trouxa a apanhar na arquibancada, ele prefere saber se o Ronaldo está gordo ou não.
Juca tem razão. O jornal fala dos assuntos que o leitor quer saber. Talvez não seja muito didático, mas é a verdade de quem quer manter a empresa (o jornal) aberto e não ficar pregando no deserto. As organizadas encobrem um grande hiato negro no qual dirigentes, jogadores, agentes e outros nichos têm interesses e o torcedor normal, aquele que trabalha para poder is ao estádio – ao contrário do organizado, que é aquele que trabalha quando vai ao estádio – não se interessa.
Juca também está certo em bater nos promotores que “cuidam” do assunto. Eles visivelmente buscam espaço para suas carreiras políticas, como fez o hoje deputado estadual Fernando Capez. Entre os projetos de Capez, estão o “Dia do Herói Policial Civil”, o “Dia Estadual do Antigomobilismo”, o “Dia do Heroi Policial Militar” e o “Dia da Independência da Síria”, o “Dia Estadual de Combate ao Exercício Ilegal da Profissão de Corretor de Imóveis” e moções como a que apela para o Sr. Presidente da Confederação Brasileira de Futebol a fim de que empreenda esforços visando à escolha do Estádio Cícero Pompeu de Toledo (Estádio do Morumbi) para ser a sede da Cerimônia de Abertura e do Jogo Inaugural da Copa do Mundo 2014. O promotor da vez, Paulo Castilho, para quem o premiê e o rei da Inglaterra são a mesma coisa, segue o mesmo estilo. Muita mídia, mas nada de ação nem resultado.
O problema das torcidas organizadas é um problema federal e de constituição. O presidente Lula não gostaria de desafiar a Gaviões da Fiel, mas mesmo que a questão fosse de outras esferas, não adiantaria, pois o governador José Serra não se sentiria bem em enquadrar a Mancha Verde e o prefeito Kassab não sentiria felicidade em peitar a Independente. A solução do problema passa por um “Relatório Taylor”, que responsabilize os clubes por baderna de suas torcidas, mande para a cadeia, sem direito a presepadas jurídicas os vagabundos que saem para o estádio armados e que tratem os cidadãos como cidadãos, não como cães sarnentos. Para isso, não basta uma reforma de estádio, mas mudanças constitucionais que habilitem a sociedade a poder separar joio do trigo.
Só que, convenhamos: o maior clube do Brasil já teve chefe de torcida como diretor de futebol, o maior clube de São Paulo tem um presidente que trafega pela organizada e essas organizadas arrumam confusão até quando vão fazer desfile de carnaval, uma outra fachada para as suas atividades. Você está MESMO esperando que nesse angu não tenha caroço?
O que o Helena defende é virar as costas para o que deu sentido ao esporte: sua popularidade. Elitizar é retirar sentido das grandes obras construídas. Ou seja, times de grande popularidade, que se tornaram grandes pela sua força popular, não podem virar as costas para quem lhe deu sentido. Isso é ultrapassar os limites do lúdico em prol do econômico: futebol é muito maior que seu potencial econômico.
Você deve saber que não é relação econômica que afasta ou aproxima de uma torcida organizada. Contribui, mas não é o determinante. Fiquei impressionado ao perceber pessoas de classe média-alta seguindo a Mancha Verde. E não foram poucos. No Ceará, as duas torcidas organizadas tinham jovens de classe média-alta e, até, classe alta. Elitizar resolve? Não creio.
Roberto da Matta simplifica muita coisa. Ao invés de dar um passo além de quem segue (Sérgio Buarque), continuou simplificando as relações. Ainda é pouco e distante os estudos sobre violência e organizadas no Brasil. Se eu fosse sociólogo, com toda certeza, faria um trabalho sobre isso (se fosse historiador, faria sobre o Ferroviário, time da história mais linda do Brasil). Como não sou, apenas sinto falta.
Abraço,
Quase todos os clubes têm ligações com as organizadas. Poucos são os que proíbem gestos e não sei de nenhum que proíba doações. Quase todas as organizadas recebem doações de jogadores, curiosamente, os mesmos que são poupados pelas críticas delas.
Se vc quer saber mais academicamente sobre o assunto procure na obra do Roberto da Matta, que trata disso eventualmente. Ele liga a violência dos hooligans do futebol (que é um esporte working-class na origem) com a necessidade de canalizar a própria frustração que o torcedor tem numa sociedade capitalista que foi tirando as perspectivas dele. Acho que o que o Helena fala pode não ser simpático, mas é mais realista. Em relação às torcidas, a experiência que eu tenho é: o organizado é apegado à torcida, não ao clube, porque na torcida ele deixa de ser ninguém. Vc já viu um organizado arrumar briga sozinho? abs
Todo mundo tem culpa no cartório. A mídia escrota que fica dando trela para os chefes das gangues em nome de dois ou três pontos no ibope, os adolescentes que veem as facções criminosas de seus times como um fetiche quase sexual, os dirigentes que fazem uma média com os desordeiros em troca de favores políticos (isso, na Argentina, é uma calamidade, né Cassiano?), os jogadores que posam fazendo os gestos característicos de cada bando (entre outros, Marcos agradando a Mancha Verde, Luís Fabiano nos tempos de SPFC, Roger no tempo de Grêmio) e por aí vai.
Eu não me referi a medidas imediatas, mas a estudos mais profundos sobre o tema. Seja em relação a programas televisivos, ou ensaios sociológicos sobre o tema. Se o plano imediato é a coação, que seja. Contudo, não verificar as causas simbólicas que o esporte traz não vai consolidar a solução do problema. Já vi um “comentarista” de nome Alberto Helena Jr. afirmar que a solução era elitizar os estádios, tendo em vista o resultado da Inglaterra. Análise absurda e irresponsável de quem está na mídia.
Eu, de fato, tenho curiosidades para entender o fenômeno da violência no Brasil. O problema é global, mas nem sempre de causas semelhantes. Na Turquia, a rivalidade em campo tem uma motivação, ao que parece, diferente do que ocorre no Brasil.
Outra coisa que me instiga é o fato da relação torcida organizada e time. Me refiro ao valor simbólico que aquela tem com este. A Mancha Verde vê coisas diferentes no Palmeiras que o representante da Gaviões enxerga em seu time. Contudo, a vontade de eliminação do outro é a mesma.
Esses aspectos de análise foram objetos de estudo na Inglaterra, em ensaios acadêmicos e programas jornalísticos. Ainda não vi nada publicado no Brasil que possa entender como o futebol sai das 4 linhas, ganhando outros sentidos que saem do controle das autoridades, absorvendo uma violência de eliminação do outro.
Nenhuma sociedade é pacífica e o problema existe em todas as sociedades, inclusive as mais desenvolvidas no que tange aos direitos civis. O futebol materializa o problema por uma conjunção de características culturais, simbólicas e psicológicas. A análise mais fria é extremamente simples. Só que para tomá-la, os dirigentes (esportivos ou não) precisam ter um fator de pressão para “calar” os opositores (leia-se uma tragédia que torne impossível a reclamação por parte das torcidas).
Tomando mais uma vez a Inglaterra como exemplo, as tragédias de Hillsborough e Bradford fizeram com que a opinião pública prestasse atenção ao problema e exigisse mudanças. Como na crítica do Juca, nosso problema é que a opinião pública ainda não quer prestar atenção. Como sociedade, somos só coagidos à ação por motivos de força maior, lamentavelmente, trágicos.
Desculpe, Ramón, mas na Inglaterra a medida imediata, que encerrou o problema não foi uma discussão social e sim repressão através de alteração da lei. o Relatório Taylor determinou, basicamente “melhores estádios” e “repressão particularmente draconiana à violência relacionada a futebol”. Abordar as causas socieoeconômicas do problema, concordo, vão extirpar as causas no longo prazo, mas na Inglaterra, tanto é verdade que a coerção é que resolveu que os hooligans ainda existem, só que são mantidos longe dos estádios. abs
Só mais um detalhe: é importante parar de imaginar a sociedade brasileira, em sua grande maioria, como uma sociedade pacífica. Talvez isso facilite uma análise mais fria.
Acho que o problema é não entender o problema. Comete-se o mesmo problema da mídia: generalizar a figura do bandido encarnado no torcedor. Parece que o mundo é dividido entre “bom” e “mau”, coisa que é bem medieval…
O desinteresse em relação à matéria, ao meu ver, revela-se pela pobreza de análises. O único que mostrou a complexidade do assunto, não dando soluções, mas mostrando que merece reflexões muito mais profundas, foi o Mauro Cézar Pereira.
É papel de um cientista social verificar causas da violência, tendo em vista a redução da complexidade social em face do futebol. Por quê esferas sociais, como as familiares, de trabalho, religiosas, e outras, são reduzidas para uma visão totalitária do futebol? Qual é a participação dos Poderes Públicos nesse problema? Qual é a participação da mídia?
Eu estudo a Constituição e posso garantir: o discurso simbólico de que o respeito (ou mudança) à CF vai resolver os problemas não resolverá nada. O problema de análise é anterior ao problema jurídico. Quando tivermos noção de como se constrói o problema será o momento de discutir as mudanças jurídicas, eis que esse não inventa a realidade, incide sobre esta. Foi compreendendo a questão que se amenizou o problema na Inglaterra…