Sete times e 90 minutos

Era uma vez um campeonato que, durante todo o ano, teve altos e baixos (mais baixos do que altos). Mas na sua última rodada, não. Tudo mudou. Sete entre seus vinte times entrariam em campo nos últimos 90 minutos precisando vencer para garantir alguma coisa. Até o título sairia de um jogo do líder contra um time que tinha que ganhar para não cair, além de torcer para o vice-líder bater outro ameaçado numa outra partida.

É um roteiro de filme, mas como as melhores estórias, é real. A última rodada do Campeonato Italiano terá um índice de suspense digno dos melhores ‘thrillers’ e manterá quase metade de seus times com o fôlego preso até cinco dos dez jogos previstos tenham acabado. E por mais incrível que pareça, até o título que a Inter teve nas mãos por todo o campeonato pode ir para Roma.

Um valente Siena e um gol de Del Piero sobre o Catania a dois minutos do fin al fizeram com que a Inter tenha de entrar em campo no próximo domingo precisando bater um Parma que não está rebaixado – e precisa da vitória a qualquer custo. Se vencer, os emilianos dependem de uma derrota do Catania nas mãos da Roma e nesse caso, o Parma se salva e a Roma é campeã.

Não pára aí: até o Empoli, mesmo tendo perdido para a Reggina, pode se salvar, caso o Catania perca e o Parma não vença, desde que consiga um sucesso sobre o já rebaixado Livorno no Carlo Castellani. E pela última vaga na Liga dos Campeões, em Turim, a Fiorentina precisa vencer um Torino já salvo para assegurar a vaga. Com a cabeça em Turim, o Milan terá de bater uma Udinese sem necessidade de resultados para manter chances matemáticas.

O enredo ainda tem mais detalhes cinematográficos: a tragédia interista pode vir pelas mãos de Hector Cúper, treinador da Inter quando o título italiano escapuliu no famoso “Cinco de Maio”, em 2002. Cúper é o treinador do Parma e somente uma vitória pode salvar a sua pele, assim como a do clube do Tardini.

A última rodada, em síntese, será uma a ser acompanhada em cinco televisões. Um time tem tudo a perder – a Inter (e o zagueiro Materazzi). Os outros podem ter perdas e ganhos, mas conquistaram sua atual posição aos poucos, e de uma certa maneira, já estão psicologicamente preparados.

A perda do título de 2002 para a Juventus é considerada a maior tragédia da história esportiva da Inter, tal a dramaticidade do evento. Se no próximo domingo a Roma sair campeã, o “Cinco de Maio” passará a ser uma brincadeira de criança. Esse peso é o maior inimigo que a Inter terá de enfrentar nesta semana.

O açougueiro ‘nerazzurro’ pode ser o culpado

Na última temporada, a Inter foi a Siena na 33ª rodada para conquistar matematicamente seu primeiro título em 18 anos. Venceu por 2 a 1 e teve um herói: Marco “Matrix” Materazzi, que fez od dois gols, um deles de pênalti. Na mesma temporada em que tinha feito o gol na final da Copa, Materazzi novamente se glorificou.

Os merecidíssimos sucessos da Inter e da Itália, infelizmente, jogaram luz sobre um jogador que tem bem pouco para se apreciar. Materazzi é um zagueiro que fez sua fama capitalizando sobre tornozelos, ligamentos, ossos e cartilagens diversas de adversários. Não só: com seu temperamento duvidoso, tem uma lista de desafetos no futebol, indo de Antonio Conti a Shevchenko, passando por Cirillo, McCarthy e outros (veja um vídeo no YouTube aquí http://www.youtube.com/watch?v=zq6HosVlskQ).

Desta vez, o destruidor de tornozelos pode finalmente não escapar impune. Numa atuação abaixo da crítica, Materazzi quase aleijou o meia Locatelli na primeira etapa, fez uma bobagem que quase resultou em um gol, caiu na frente de um chute de Julio Cruz que ia para o gol de Manninger e perdeu um pênalti que ele mesmo tinha simulado, tirando a bola do batedor oficial (também o argentino Cruz).

“Mas que porra você está fazendo aí?”, berrava um apoplético Roberto Mancini durante o jogo, revoltado com os avanços de Materazzi, que queria mais uma vez se consagrar como herói. Mancini passou todo o segundo tempo xingando o zagueiro e no apito final, falou horrores para um de seus assistentes, apontando o dedo para o defensor. Nem mesmo o presidente da Inter, Massimo Moratti, que trata “Matrix” como um de seus protegidos, o poupou. “Materazzi nos fez perder”, disse Moratti, na tribuna.

Na saída do jogo, Materazzi era os o jogador mais atacado pela torcida. Aliás, a saída da Inter do estádio refletia um estado de espírito estranho para um time que está às portas de um tricampeonato. “Algo está muito, muito errado na Inter”, disse o jornalista da RAI, Enrico Varriale, comentando sobre o humor da torcida e dos próprios jogadores, que visivelmente não vivem um conto de fadas. Essa torcida, com toda essa irritação, já escolheu quem culpar.

Mais três salvos e um condenado

A tabela da Série A deu seus primeiros veredictos. O Livorno não conseguiu o milagre que se esperava dele e é o mais novo componente da Série B – matematicamente. Sem ânimo, o time ‘amaranto’ do Armando Picchi cedeu ao Torino a sua permanência na primeira divisão às custas da própria pele.

Neste final de semana, Cagliari e Reggina – além do Torino – também alcançaram lugar definitivamente seguro na tabela. Entre os três, os dois primeiros merecem especial. O Cagliari venceu quatro de seus últimos seis jogos (perdendo só para Inter e Milan em Milão), protagonizando a arrancada mais memorável da temporada. Os calabreses também venceram quatro dos últimos seis jogos (derrotas para Fiorentina e Milan) e igualmente merecem destaque.

O rebaixamento livornese segue a lógica do início do torneio. Sem nenhum jogador que pudesse tirar coelhos da cartola (como tinha sido Cristiano Lucarelli nos quatro anos anteriores) e sem um time entrosado, não era difícil prever o time toscano entre os favoritos para a queda. O clube já anunciou que venderá todos os jogadores “caros” e quer apostar só em jovens sob a liderança de Lucarelli (hoje no Parma). O futuro do time não é brilhante e não é fácil vislumbrar um retorno rápido à primeira divisão.

Curtas

– Rodada de surpresas na luta pelo acesso.

– Exceção feita ao Lecce (que bateu o Albinoleffe por 4 a 0, em viagem), todos os seis primeiros colocados perderam.

– A vitória incontestável em Bérgamo recolocou os salentinos na vaga de promoção direta para a Série A; se a Série B acabasse hoje, os confrontos pela última vaga seriam Albinoleffe x Pisa e Bologna x Brescia.

– Chievo e Lecce estariam de volta à divisão máxima.

– Mercado: a Gazzetta Dello Sport dá como “quase certa” a passagem de Amauri ao Milan.

– O jogador seria o segundo “roubado” da Juventus em menos de dez dias.

– O Palermo tinha aceito a proposta juventina pelo atacante, mas o jogador insistia num salário anual de €4 milhões, €750 mil a menos do que a proposta dos piemonteses.

– Na semana passada, o Milan fechou com Flamini, do Arsenal que também estava negociando com a Juventus.

– Temporada encerrada para o defensor Lucchini e para o meia-atacante Bellucci, da Sampdoria, que serão operados.

– Bellucci rompeu o tendão de Aquiles da perna direita, enquanto Lucchini tentará resolver uma lesão no tornozelo que o incomoda há semanas.

– Se confirmar a promoção, o Lecce pode ter o atacante Miccoli, torcedor fanático do time da Puglia, que já anunciou sua intenção de ir para o Via Del Mare.

– A Udinese ainda está ansiosa porque a Uefa não deu a licença para o clube do Friuli jogar a próxima Copa Uefa.

– O Napoli já avisou que não disputará a Copa Intertoto.

– Em Pisa, um torcedor da Inter jogou uma TV pela janela irritado com seu time e foi indiciado.

– Esta é a seleção Trivela da penúltima rodada da Série A italiana:

– Manninger (Siena); Panucci (Roma), Domizzi (Napoli), Maggio (Sampdoria); Barreto (Reggina), Pandev (Lazio), Kharja (Siena), Hamsik (Napoli), Jorgensen (Fiorentina); Lavezzi (Napoli), Balotelli (Inter)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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