A revolução das pizzas

Não dá para falar que a sentença dada ao ‘Calciocaos’ da Itália acabou em pizza na cara larga. Afinal, a Juventus, clube que teve o maior comprometimento no escândalo de Luciano Moggi, caiu para a Série B e terá uma dedução de 17 pontos no próximo torneio. Só que a revisão das sentenças deixou, indiscutivelmente, um sabor de pizza no final da refeição.

Teve desconto para todo mundo, como era lógico de se imaginar, já que a Juventus teve um amaciamento. O veredicto final salvou Lazio e Fiorentina da segunda divisão, e diminuiu a punição do Milan no próximo campeonato para somente oito pontos, além de permitir ao clube de Via Turati a participação nas preliminares da Liga dos Campeões.

Foi justo? Comecemos pelo positivo. A exemplo de outros escândalos em outras épocas, a Juventus sofreu a punição padrão: rebaixamento. Os 17 pontos a menos não devem impedir a ‘Vecchia Signora’ de voltar já na próxima temporada à Série A, o que torna a punição muito menos dramática. Mas não dá para falar que a sentença final da Juve tenha sido leve.

No caso de Lazio e Fiorentina, a situação é diferente. O ‘handicap’ de 11 e 19 pontos dado aos dois clubes no próximo torneio não é uma punição justa pra quem, em português claro, ganhou jogos com a ajuda do juiz. O rebaxamento era uma punição óbvia, mas provavelmente os dois se beneficiaram da pressão da Juve pela diminuição da sua própria sentença – era dado como certo que Lazio e Fiorentina tinham se sofrer um rigor menor, já que se beneficiaram menos.

O Milan agora tem uma punição condizente com aquela que foi publicamente exposta: a de que Adriano Galliani, vice-presidente do clube, sabia que Moggi comandava a arbitragem e que um funcionário do Milan pressionava árbitros para não esfolar o clube. Pelo que se sabe, não houve ‘ganho’ do Milan com ‘Moggiopoli’, e então, a sentença anterior era muito pesada.

Mas por que pizzas então?

O lado ‘pizzaiolo’ da decisão da Justiça vem no que toca à clara influência dos clubes e nas sentenças aos indivíduos envolvidos. A Juventus mostrou que tem mesmo garrafa para vender e conseguiu amaciar (ainda que não como queria) a punição que viria, e assim, beneficiou Lazio e Fiorentina – além do Milan, que também fez valer a sua voz.

Um dos argumentos dos clubes nos bastidores era de ordem técnica. A Série A sofreria um esvaziamento se as punições fossem muito severas, com dezenas de craques indo para outras ligas a custo de banana. Isso ferraria até quem aparentemente se daria bem – como Inter e Roma – porque o campeonato perderia muito valor de publicidade.

Mas a grande vergonha pizzóide ficou por conta da Justiça não banir do futebol os que tinham responsabilidade no caso. Nomes como Luciano Moggi, Franco Carraro (ex-presidente da Federcalcio), Inocêncio Mazzini (dirigente da FIGC), Massimo De Santis et al, teriam de ser eliminados do esporte. Ao contrário disso, foram ‘suspensos’ por prazos entre nove meses e cinco anos.

Naturalmente que não se poderia pedir que a Juventus fosse rebaixada para a Série T. Cair uma divisão é o que se prevê na lei e é a sentença que aconteceu em vários outros escândalos (como na própria Itália e na França, por exemplo). Mas era perfeitamente lícito exigir penas draconianas para os dirigentes. Pode-se argumentar que a Juventus – a instituição e a torcida – não escolheu fazer a mutreta, mas os dirigentes agiram cientes dos seus atos. Rebaixamento pune o clube, mas suspensão não pune com o rigor equivalente o dirigente.

O quadro final das punições não é uma vergonha, mas deixa um cheiro de pizza no ar que certamente não ajuda os italianos a melhorarem a sua imagem diante do resto da Europa. Todos esperavam sentenças exemplares, mas elas vieram só pela metade. Isso sugere que depois de toda esta vergonha, o ‘calcio’ não passará por uma profunda mudança na sua legislação. Essa sim, é que será a verdadeira pizza.

– Quase todas as partes – leia-se dirigentes, juízes e clubes – apresentarão recurso contra as sentenças, ainda que elas tenham ficado mais leves.

– Estaria uma pizza ainda maior a caminho?

– Embora a decisão do presidente da Corte Federal Italiana não tenha sido um descalabro – no que diz respeito à punição dos clubes – a sua postura ao anunciar as punições foi inadequada.

– As fotos do juiz Sandulli com os jornalistas mostravam somente jornalistas rindo e felizes, o que dificilmente passa um ar de seriedade.

– É difícil saber do que eles estavam rindo, no momento no qual o futebol italiano atravessa seu período mais sombrio da história.

– “Efeito da vitória na Copa”, me diz um colega.

– Não tenho como discordar.

– A Juventus já está desmantelada.

– É só tempo de ver quem mais leva carniça para casa.

– Depois de Thuram, Zambrotta, Emerson e Cannavaro, é praticamente certo que Buffon, Trezeguet e Ibrahimovic rumem para longe de Turim

– Se o Milan ceder às pressões do Real Madrid, terá se redimensionado como uma “potência de segunda categoria”.

– Especialmente depois de vender Shevchenko.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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