Questão de tempo

Aconteceu. O que todo mundo já sabia se confirmou quando o relatório do interventor Francesco Saverio Borrelli deixou a Federcalcio e pediu cabeças – com a da Juventus na primeira fila.

Novidade nenhuma, então? Quase. A dureza do relatório de Borrelli surpreendeu até os que esperavam uma frigideira para a Juventus, Luciano Moggi e companhia. Com os resultados, caso a Juventus seja condenada por todas as infrações sugeridas no relatório, juristas italianos dizem que é impossível evitar um duplo rebaixamento, com a “Vecchia Signora” indo parar na terceira ou quarta divisão.

Por conta do ‘esquema Moggi’, a Juventus foi indiciada por responsabilidade direta e ilícito esportivo, com violações dos artigos 2 (responsabilidade das pessoas físicas e dos clubes) e 9, que prevê sanções em caso de responsabilidades indiretas do clube.

Na última semana, o envolvimento do Milan foi sempre mencionado e não faltaram os que achavam que o clube deveria ser punido também com rebaixamento. Embora seja claro que os dirigentes milanistas sabiam do esquema montado por Moggi, também é nítido que a maior interessada em atolar o Milan é a Juventus, pois assim, contaria com um aliado de peso para evitar punições severas.

O Milan foi indiciado por causa de um telefonema de um funcionário do clube e porque Adriano Galliani, vice-presidente do clube, sabia do esquema. Por isso, pode ser punido com uma perda de pontos de 12 a 19 pontos, o que poderia custar a vaga direta para a Liga dos Campeões, mas não as preliminares.

Mas será que era só isso? Existia um ‘esquema’ Milan como dizem alguns? Ainda não se encontrou vestígio concreto. O que se sabe é que Adriano Galliani sabia de como as coisas funcionavam e segundo ele, a participação milanista era para evitar que o clube fosse muito prejudicado. Seu álibi é forte: “O Milan perdeu os dois últimos títulos italianos mas na Europa é o melhor clube dos últimos quatro anos”. Difícil contestar, a menos que se sugira uma dominação global.

Segundo os juristas ouvidos pela Gazzetta Dello Sport no dia da publicação do relatório, a Juventus está condenada e o Milan deve sofrer punição leve. Sobre Fiorentina e Lazio, as opiniões divergem. Há os que vêem uma situação desesperadora (e que acreditam em rebaixamento) e os que acham que ambos se salvarão por terem boas justificativas para os comprometimentos nas gravações.

A existência da Lazio realmente depende do veredicto. Se o clube for rebaixado, sofreria uma perda financeira nas ações que complicaria o acordo que o clube fez recentemente com o governo em relação a impostos atrasados. Rebaixamento significaria ações despencando na Bolsa, perda de liquidez e incapacidade de cumprir os acordos. Traduzindo: falência.

Mas e o resto da galera?

Nesta semana se inicia um segundo inquérito: o que avalia as participações de Siena, Messina, Empoli, Reggina e Lecce. Estes clubes, aparentemente, não tiraram vantagens esportivas do ‘esquema Moggi’ (até porque o esquema só beneficiava ele mesmo), mas foram coniventes com as vontades do ‘boss’ juventino contratando e vendendo de acordo com seus planos.

Vai sobrar para alguém?Difícil dizer. Mais difícil ainda é responder quem vai ressarcir o Bologna, que teria sido rebaixado indevidamente no lugar da Fiorentina – que estava com Moggi e não abria. Ou então a Sampdoria, que iniciou uma longa série de derrotas depois que o árbitro Dondarini a operou no Marassi.

O resultado final mesmo só quando saírem as sentenças, mas algumas coisas já são claras. A Juventus está em silêncio profundo, limando todos os possíveis liames com Moggi e Giraudo, mas nos bastidores quer puxar o Milan para o buraco e tentar uma virada de mesa. O mercado de contratações será determinado pelo tamanho da punição juventina e o frenesi de compras deve ficar só por conta da Inter – que não precisa de esquemas para comprar loucamente. Além disso, fica esse gosto amargo na garganta da torcida. Um gosto que levará muito, mas muito tempo para desaparecer.

Os que não estavam no meio…

A Roma deve ser uma que deve tirar alguma coisa positiva da podridão moggiana. Sem a Juventus, uma vaga para a Liga dos Campeões deve acabar sobrando e provavelmente sem ter de passar pela fase de grupo. O reflexo disso no valor das ações do clube deve ser significativo e muito bem recebido. Alterações entre os clubes que disputam vagas européias também são esperadas.

Tecnicamente, o que se quer de verdade é uma refundação do ‘calcio’ italiano. Naturalmente que Moggi não acorrentava ninguém para exercer o seu poder e todo o sistema está comprometido. Gerenciamentos de clubes como os que têm Palermo e Cagliari ou como o que tinha o Perugia precisam ser encerrados.

É difícil de imaginar um esquema sadio com os mesmos personagens. O momento é adequado para a Itália fazer um similar peninsular do Relatório Taylor, o estudo que refundou o futebol inglês esportiva e financeiramente. Esta é a opinião de boa parte da mídia, com o suporte de estudiosos, administradores e torcedores com a cabeça no lugar.

E ele voltou mais uma vez

Zdenek Zeman e os recomeços. O técnico tcheco sempre foi um dos mais odiados da Itália pela sua língua ferina e pelo seu desprezo completo pela defesa. Depois que denunciou o escândalo do doping – que de certa forma foi o início da derrocada juventina – virou figura mitológica do ódio italiano. Ele está de volta.

Depois de assumir o Brescia e fracassar na tentativa de conseguir a promoção, Zeman novamente aporta em Lecce, para levar o time salentino à Série A. Na verdade, torcedores de vários clubes italianos – Juventus inclusa – queriam Zeman pelo significado de rebeldia que ele representa. Os do Lecce foram satisfeitos.

Cerca de 500 torcedores foram esperar Zeman no aeroporto – coisa rara para qualquer treinador. O que se espera do técnico não é só o espírito livre. O presidente do Lecce, Rico Semeraro, quer ficar em paz com a torcida depois que foi rebaixado. Seu pedido ao técnico foi o de um futebol extra-ofensivo.

A chance de Zeman conseguir é boa. Terá dinheiro para contratar e tempo para fazer a pré-temporada que gosta. Seus jogadores dizem que o período de treinos comandado por Zeman antes do campeonato começar é torturantemente forte. O tcheco explica que gosta de ‘carregar’ a bateria do time no começo (frequentemente seus times não disparam na ponta) para ter gás na reta final.

A teoria zemaniana gira em torno de uma mentalidade semelhante à da Holanda de 1974. Marcação pressão em todo o campo com superioridade numérica a todo custo, Claro que há uma diferença técnica entre Stovini e Arie Haan, mas aqui, o que conta é o ideal: buscar o gol o tempo todo.

Sinceramente, apesar da filosofia do técnico boca-dura ser interessante, mais do que nunca o que importa é ele mesmo. O futebol precisa de Zeman e de outros como ele para extirpar a chaga criada por ‘Moggiópolis’. Mais uma vez, bem-vindo Zdenek.

– Kaká encerrou o conversê ao redor de seu nome renovando com o Milan até 2011.

– O clube de Via Turati também anunciou a contratação de Gourcouff, do Rennes, armador da seleção sub-21 da França e considerado o 27º “novo Zidane”.

– O clube ainda quer um meio-campista e dois defensores.

– Na Juventus, tudo depende de uma decisão praticamente certa: o rebaixamento do clube.

– Praticamente todo o time titular deve deixar Turim, exceção feita a Alex Del Piero, que já garantiu que fica até na Série C.

– A semana passada teve a decisão final sobre várias co-propriedades de jogadores.

– Alguma delas mudou o planeta de rumo?

– Não.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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