A ‘Azzurra’ agüenta?

O futebol italiano passou pelas duas semanas mais longas da sua história. A cada dia, o italiano descobria que o poço sempre pode ser mais fundo, a lama mais fétida e sim, o seu time sempre pode estar mais envolvido. Especialmente quando se trata de cores juventinas.

Claro que o técnico da seleção, Marcello Lippi, foi envolvido e bastante. Telefonemas interceptados mostraram que tanto ele recebia solicitações de Luciano Moggi para convocar jogadores (ou não convocar) quanto lucrava com o fato de seu filho trabalhar para a GEA, a empresa-cartel de empresários que praticamente dominou o futebol italiano nos últimos anos.

A pressão para Lippi renunciar é grande. Fabio Cannavaro, o capitão da Itália, fez parte dos esquemas de Moggi para deixar a Inter; o goleiro Buffon está envolvido até o pescoço no escândalo das apostas; Nesta e Materazzi (só para citar dois) eram jogadores da GEA. Este é o cenário onde a Itália parte para tentar conquistar seu tetracampeonato.

E será que a ‘Azzurra’ agüenta o baque? Não são poucos os que acham que não. Mas convém lembrar que em 1982, a Itália saía do maior escândalo de sua história (até este estourar) e chegava na Espanha lambuzada da pior lama do escândalo das apostas que valeu um grande gancho para Paolo Rossi, que só jogou a Copa graças a uma anistia-mandrake. Todo mundo sabe o final.

Nesta semana, a Trivela faz uma análise da convocação que Marcello Lippi fez para o Mundial da Alemanha. Uma lista até certo ponto esperada e que está de acordo com os dois anos de sua gestão. Mas poderá ela enfrentar fortes adversários e uma incerteza total que a esperará depois da Copa do Mundo?

Um timaço, mas sem reservas

Sem nenhuma contusão relevante e com a provável recuperação normal de Francesco Totti, Marcello Lippi teve seus últimos momentos de tranqüilidade quando estava fechando a lista dos 23 convocados. Assim, a Itália deve ter um time titular bastante forte na Copa da Alemanha. Só que contusões no “11” titular podem fazer com que a fragata ‘azzurra’ naufrague no Mar do Norte.

No gol, Lippi tinha um de seus poucos dilemas. Além do titularíssimo Buffon, o técnico precisava escolher quem seria o reserva imediato. Como a escolha recaiu sobre o veterano Angelo Peruzzi (velho conhecido de Lippi), o treinador preferiu chamar Amélia ao invés de Morgan De Sanctis, da Udinese, que tem praticamente a mesma idade de Buffon. A escolha visa o próximo Mundial.

A defesa titular da Itália também pode ser considerada bastante sólida. Nesta e Cannavaro fazem o melhor miolo de zaga do mundo, com Zambrotta em uma das laterais e a outra provavelmente com Grosso. Os dois externos da defesa apóiam bastante e isso deve dar à Itália uma capacidade que ela não teve na gestão anterior, de Giovanni Trapattoni.

Lippi também tem um meio-campo de qualidade. Camoranesi inicia como mediano mas abre pela direita; Pirlo é a cabeça pensante do time, atuando na frente da zaga e Gattuso (ou De Rossi) fazem a vigilância. O ideal de Lippi é ter no comando deste setor um Francesco Totti em forma, coisa que daria ao time uma grande vocação ofensiva. Sem Totti, o time tende para um 4-3-3.

E no ataque, a se depreender da numeração já determinada pelo técnico, Luca Toni fará dupla com Gilardino. Del Piero? Titular, se Totti não jogar – mas numa posição diferente. E caso alguém marque bobeira, terá de se ver com Pippo Inzaghi em fase infernal. E ai de quem bobear…

Problemas? A velha falta de reservas. Alguns até são de ótimo nível, como Inzaghi e De Rossi, mas outros, como Materazzi e Iaquinta fazem o nível geral da seleção cair bastante. Além disso, é difícil determinar quanto o escândalo vai afetar a cabeça dos jogadores – especialmente dos juventinos (que têm grandes chances de serem rebaixados). Mesmo assim, a lembrança de 1982 deve restar para servir de alerta aos rivais.

Buraco negro

O futebol italiano nunca mais voltará a ser o que era. Pelo menos é isso o que sugere o tamanho da paulada que o ‘Calciocaos’ deu no futebol peninsular. Nas últimas duas semanas esta coluna disse como o buraco era maior. E ele continua aumentando.

Virtualmente todos os protagonistas da cartolagem italiana parecem estar envolvidos por ação ou omissão. Naturalmente que se descobriu o óbvio: que o vértice da corrupção partia de Luciano Moggi e de uma rede de agentes, mas não há inocentes. E embora não seja justo cravar os nomes de culpados agora, uma coisa é certa: nomes de jogadores de fama global serão atingidos.

Silvio Berlusconi, que perdeu as eleições no mês passado, aproveita cada minuto possível de sua exposição na mídia e já avisou que voltará a ser o presidente do Milan, cargo que tinha deixado legalmente por conflito de interesses. Berlusconi também voltará para ajudar Adriano Galliani a gerenciar o peso de um escândalo sem precedentes.

Na prática, o que aconteceu foi a nomeação de Guido Rossi como uma espécie de interventor da Federcalcio. Rossi terá a árdua tarefa de dizer quem tem culpa no cartório ou não. E já se sabe: ele não terá como colocar panos quentes no caso. A opinião pública quer cabeças e uma das maiores culpadas já está escolhida: a imprensa.

Cerca de 70% dos italianos vê a imprensa como uma das culpadas. E está certa. Um escândalo deste tamanho não poderia ter passado despercebido. O que aconteceu na Itália não é exclusividade daquele país. Na sede de informações de bastidores, a imprensa está assistindo um processo de corrupção onde os jornalistas se esquecem do papel que têm no monitoramento do sistema, ou como chamou Carlos Lacerda, “zeladores da sociedade”. Para bombar índices de audiência, cultivam relacionamentos com as fontes onde quase sempre são usados e se tornam inofensivos no que diz respeito a denunciar falcatruas.

O leitor deve estar pensando se isso não acontece no Brasil. Não tenha dúvida: talvez não exista um homem com o poder que Moggi detinha, mas agentes e diretores fazem das suas livremente sem que haja uma pressão dos bons jornalistas investigativos. Não raro, o editor prefere uma entrevista inócua com o jogador falando trivialidades do que deixar um repórter trabalhando para pegar um peixe grande.

O escândalo pode atravessar fronteiras? Dificilmente, porque as estruturas do futebol italiano são particulares. O desafio do futebol italiano após a Copa é o de se reescrever começando na linha zero. É uma tarefa hercúlea. Se a Itália não vencer o Mundial, ela ficará ainda mais indigesta e dificilmente a Série A se recupera em menos de um ano.

– Os abutres rondam a carniça juventina.

– Com o provável rebaixamento da Juventus, os outros clubes italianos já planejam como poderão saquear o túmulo do time piemontês.

– O Milan já escolheu seus alvos.

– Quer Emerson para o meio-campo e Zambrotta para jogar na lateral.

– Já a Inter conversa com Trezeguet.

– Buffon, Vieira, Mutu e Ibrahimovic também são saídas certas no caso de um rebaixamento.

– Alessandro Del Piero já adiantou: “fico na Juve até na Série C”.

– Em Milão, a agonia é por Shevchenko.

– O ucraniano anunciou na semana passada que queria sair de Milão, seduzido por uma proposta milionária do Chelsea e a pressão de sua esposa Kristen Pazik, norte-americana, que gostaria de morar em Londres.

– Sem a opção Henry, que renovou com o Arsenal, o Milan fez uma proposta para Sheva renovar até 2011, ganhando €6mi por ano.

– Resposta definitiva nesta quinta-feira.

– Perguntado se achava que o Milan deveria ficar com os ‘scudetti’ da Juventus, Paolo Maldini mostrou porque é “Il Capitano”.

– “Nunca. Não aceito títulos que os outros já comemoraram. Estou enojado”.

– Liverani, o primeiro jogador negro da história da seleção italiana, deixou a Lazio para jogar na Fiorentina.

– Adriano e Mancini juram que ficam na Inter, mas não se assuste caso isso não aconteça.

– Em Milão, é notória a pressão do agente de Adriano para que o craque troque de camisa.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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