Tática: paciência

Milão teve uma edição não muito bela de seu derby no último domingo. Há oito anos que um Inter x Milan não acabava em empate, e graças a um toque fortuito de Kaká, o tabu continuou. O jogo foi sem graça, por vezes, chato; mas certamente terá importância vital no campeonato.

O que se há de dizer em prol do time do Milan é que nem sempre um futebol modesto pode ser criticado. No Milan das últimas semanas, um olhar indulgente deve ser dado ao time de Carlo Ancelotti. É verdade, o Milan espetacular da Liga dos Campeões de 2003 está dormindo, mas não se pode deixar de lado que não estão disponíveis Stam, Inzaghi e Shevchenko, além de Pirlo e Kaladze estarem fora de seu ‘top’ físico. Com essas dificuldades, Ancelotti passou com louvor por uma semana dificílima. Venceu, como visitante, Manchester United e Inter, duas provas que eram testes de fogo para as ambições rubro-negras.

Sem o time a pleno vapor, o Milan adotou uma postura italianíssima: defesa calma e bem-postada; passes precisos para acalmar a pressa do rival e aplicação na marcação começando com o atacante Crespo. Tanto o jogo de Old Trafford como o de San Siro teriam sido bem mais simples se o trio Kaká-Pirlo-Rui Costa estivesse mais inspirado. Mesmo sem brilho, o Milan venceu Manchester e Inter da mesma forma. Tocando bola até dar o golpe fatal.

Era nítido que Ancelotti sairia contente com um empate nos dois jogos. Sem três titulares absolutos e com o time cansado, tal resultado era satisfatório. Conseguiu as duas vitórias um pouco por sorte (falha de Carroll pelo Man Utd no chute de Seedorf; falha de Emre que deu condição legal a Kaká no derby), um pouco de individualidade (Kaká, Crespo e Seedorf) e uma espetacular dose de auto-controle, a ponto de Maldini ser chamado de “A maravilha de Milão”, pelo diário inglês Guardian, depois da aula dada a Rooney e Cristiano Ronaldo.

Não devemos esquecer que todos os times que estão na luta pelos seus títulos não estão em momentos de brilho. Chelsea, Juventus, Barcelona, Real Madrid, Milan, Bayern Munique, todos têm em comum uma opacidade explicável. Estão guardando energias para um ‘sprint’ final, como numa prova de ciclismo. É em abril e maio que vai se ver quem tem mais garrafa para vender, ou na prática, quem tem mais preparo físico. Entre times equilibrados, é isso que vai fazer a diferença.

Sacchi x Anti-Sacchi

Um olhar mais atento ao derby de Milão revela uma outra disputa. Além de Vieri x Nesta, Crespo x Córdoba, Pirlo x Stankovic, estavam os técnicos. Carlo Ancelotti e Roberto Mancini não protagonizaram um combate só entre o azul e o vermelho. Foi um embate entre o maior expoente da ‘escola’ de Arrigo Sacchi (Ancelotti) e um dos maiores ‘órfãos’ de Sacchi (Mancini).

No Milan, Carlo Ancelotti era o cerne da manobra ‘sacchiana’, encarregado de marcar e de projetar o ataque. Quando o técnico foi para a seleção italiana, levou Ancelotti como seu assistente. Como treinador, ‘Carletto’ é um exemplo crasso da filosofia do antigo mestre, apostando num jogo coletivo como máxima, exigindo que mesmo as estrelas assumam papéis táticos.

Roberto Mancini foi, junto com Giuseppe Giannini e Giuseppe Signori, o grande “injustiçado” da chamada “Era Sacchi”. Não que o técnico tivesse problemas abertos com um dos três, mas era sabida a falta de ‘feeling’ com eles. Assim, todos os três, cujo auge técnico foi justamente durante o comando de Sacchi na seleção, acabaram sem as chances que mereciam.

Também influenciou bastante nas ausências dos três na seleção o fato de todos jogarem fora do eixo Turim-Milão. Mancini fezcarreira na Sampdoria (de Genova), enquanto Giannini era da Roma, e Signori, da Lazio (ambos de Roma). O técnico não foi nem o primeiro nem o último a sofrer esta acusação.

No derby de domingo, Ancelotti venceu Mancini taticamente, mesmo sem vários jogadores. E na sua carreira, o milanista já demonstrou ser capaz de conduzir um grande time (o próprio Milan) e um médio (o Parma, clube com o qual foi vice-campeão italiano). Mancini começou bem a sua carreira na Fiorentina, e depois teve um bom período na Lazio, mas não se mostrou á altura de um clube grande.

Diferenças entre ambos? Ancelotti busca certos automatismos que garantam segurança ao time, para depois visar o espetáculo. É mentira que seja um técnico defensivista. Tanto que o Milan usa só um volante, como poucos outros times. Roberto Mancini prega o jogo espetacular, mas não consegue acertar uma defesa consistente, e acaba minando também o ataque.

A falta de Baggio no Brescia

Roberto Baggio passou seus últimos quatro anos de carreira no Brescia. Ao desembarcar na cidade lombarda, era dado como acabado. Calou a crítica ao mostrar talvez o seu futebol mais vistoso, até por poder jogar com a liberdade que precisava. Em Brescia, o canto do cisne durou quatro anos.

Com Baggio, o Brescia conseguiu ficar por quatro temporadas sem ser rebaixado – um recorde absoluto, uma vez que “i Rondinelli” nunca tinham conseguido ficar na Série A em duas temporadas seguidas. O time bresciano sofre sem Baggio. Neste final de semana, cedeu os três pontos para a Sampdoria, e está no penúltimo lugar, com 23 pontos.

Sem Baggio, o Brescia ficou sem um cérebro, sem um jogador capaz de improvisar. Baggio jogava atrás de um centroavante (primeiro Hubner, depois Toni ou Caracciolo), num 3-5-1-1. Confundia a defesa podendo ir e voltar, e anotava, ele mesmo muitos gols. O Brescia não vencia todos os grandes, mas contra clubes menores, tinha sempre uma carta na manga.

O Brescia, que recentemente trocou de técnico, contratando Alberto Cavasin, agora joga num 3-5-2, com Delvecchio fazendo dupla de ataque com Caracciolo. Apesar de dois bons alas (Sculli e Wome), Milanetto e Guana, responsáveis pela manobra ofensiva, não estão dando conta do recado.

Cavasin é um bom treinador e daria conta de reverter o quadro com certeza, não fosse a falta de tempo. Em 12 rodadas, tem de lutar contra Siena, Parma e Fiorentina, três times com elencos superiores. Brescia deu adeus a Baggio e deve dar adeus à Série A por uma temporada, se Cavasin não fizer milagres.

– A Juventus cogita Julio Baptista para seu meio-campo em 2005/6

– O time de Capello jogaria com o brasileiro, Emerson e Blasi atrás de Nedved

– Renda do derby: € 1,7 milhões, líquidos, para a Inter

– Esta é a seleção Trivela da 26a rodada

– Dida (Milan); Zaccardo (Palermo), Nesta (Milan), Barzagli (Palermo) e Maldini (Milan); Giacomazzi (Lecce), Nakamura (Reggina) e C. Zanetti (Inter); Miccoli (Fiorentina), Toni (Palermo) e Del Piero (Juventus)

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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