Maquiavel não nasceu na Itália à toa. Ou melhor: se tivesse nascido alhures, não seria o autor de “O Príncipe”. Na península, a política está em toda parte, e o futebol está mais incrustado dela do que ela própria. A batalha no futebol italiano acontece dentro de campo, sim, mas fora dela, é ainda mais severa.
Uma recusa do meio-campista Gennaro Gattuso e do lateral Beppe Pancaro, do Milan, em doar sangue para o exame anti-doping, após a vitória sobre a Roma, desencadeou uma tempestade num futebol onde o assunto é tratado com extremismo, especialmente depois da condenação da Juventus pela justiça comum.
Gattuso e Pancaro foram sorteados para se fazer os chamados “exames cruzados”, ou seja, testes de urina e sangue, em busca da EPO, nome banal da Eritropietina, hormônio nocivo, sintético e proibido que aumenta a produção de células vermelhas no sangue e a oxigenação dos tecidos. Os dois se recusaram a tirar o sangue, e concordaram em doar mais urina para “compensar” o exame.
Como o exame de sangue não é obrigatório, a recusa era perfeitamente lícita (dez outros atletas já tinham recusado nesta temporada). O que fez o circo pegar fogo foi o fato de que nunca o nome de nenhum atleta que tivesse se recusado a doar o sangue tinha sido divulgado. Não curiosamente, os nomes dos milanistas vieram à baila após uma vitória sobre a Roma, com a qual o Milan teve inúmeras rusgas nos últimos anos.
De acordo com o protocolo da WADA, que é a agência internacional anti-doping, a eficiência do exame de urina feito numa quantidade maior da amostra é tão eficiente quanto a do exame de sangue. Só que, num ambiente tão envenenado de problemas de dopagem nos últimos anos, especialmente a recusa de Gattuso imediatamente levantou suspeitas.
“Não fiz o exame porque é uma palhaçada. A sala onde tínhamos de tirar o sangue parecia uma estrebaria. Quando todo mundo for submetido ao exame, eu faço sem problemas, mas só eu, eu não aceito, porque é meu direito”, disse Gattuso, que faz parte do conselho da Associação de Jogadores da Itália, que assinou o acordo para os atletas fazerem o “exame cruzado” facultativamente. “O meu doping é feito de pimenta e ‘un gran culo”, disse Gattuso, extremamente irritado com a polêmica.
Mas não parou por aí…
O holandês Clarence Seedorf foi o primeiro a sair em defesa de Gattuso. “Eu também me recusei a doar sangue, pelas mesmas razões de Gattuso”, disse Seedorf, o que atirou ainda mais lenha na fogueira das desconfianças. Andrea Pirlo falou em um “complô anti-Milan”, porque o clube estava na liderança. E quem realmente ficou irritado foi Jean Pierre Meersserman, chefe do MilanLab, o laboratório hi-tech do Milan, por causa das sombras que passaram a pairar sobre a conduta dos médicos milanistas em relação ao problema do doping.
Na segunda passada, já na concentração da seleção, Gattuso tirou sangue diante de todos e esbravejou: “vocês não queriam meu sangue? Aí está!”. O exame com o sangue do milanista foi feito e nada foi detectado. Mas alguém já levantou, de cara, a possibilidade de que 24 horas depois o resultado podia ser diferente…
Algumas coisas parecem claras, e não demandam grandes elocubrações. A primeira é que o nome de Gattuso foi ventilado para criar celeuma em torno do Milan líder. Outra coisa é que, como afirmou o brilhante jornalista Candido Cannavó na Gazzetta Dello Sport de domingo, Gattuso tinha como ter externado sua insatisfação sem a sua recusa. A terceira é que a não-obrigatoriedade do exame de sangue só dá margem para confusão, e se o milanista se recusou, estava em seu direito, assim como os outros nove jogadores.
A Itália é o país da Europa que mais realiza exames anti-doping, e não por acaso, o que mais teve casos de doping nos últimos anos. O problema, porém, é muito mais fundo, e vai na raiz das estruturas do esporte, onde os resultados são cada vez mais exigidos pelos interesses econômicos, e onde o vale-tudo está cada vez mais presente.
Dá para dizer que Gattuso se dopa? Não, definitivamente. Mas é óbvio que o jogador atraiu para si uma sombra sem precisar. O Milan é líder do Italiano e um dos oito melhores clubes europeus. Além das armas esportivas, os adversários farão o possível para criar um clima ruim no grupo, da mesma maneira que o faz o próprio Milan. É assim que funciona a política. Que pena que o futebol tenha tanto dela.
E a Juve aumenta a potência
Até o início desta temporada, a lista dos clubes que mais ganhavam dinheiro dos patrocinadores estampados em suas camisetas era ponteada pela Juventus. O time piemontês garantia uma entrada líquida de € 18,5 milhões anuais vindos dos cofres da Sky e da Tamoil. Logo em seguida, vinha o Bayern Munique, com € 17 milhões anuais pagos pela gigante de telecomunicações alemã T-Com; Real Madrid (Espanha), Manchester United (Inglaterra) e Olympique Lyonnais (França) fechavam a lista dos cinco primeiros.
Mas a Juventus fechou um novo contrato de patrocínio para a sua malha ‘bianconera’, para a temporada que vem. E na nova lista dos melhores contratos, a Juventus é…a primeira, só que com uma vantagem ainda maior sobre os concorrentes, pois o novo contrato com a petrolífera Tamoil (empresa controlada pela família do ditador líbio Gheddafi) garante € 22 milhões anuais para o clube, que aumentam anualmente, durante os cinco anos de vínculo, chegando a uma soma total de € 130 milhões.
O contrato é um recorde para a modalidade de patrocínio, mas a festa na Via Galileo Ferraris não é pelo recorde, e sim, pela reversão acusada no balancete deste ano, que mostra um déficit nas contas da “Vecchia Signora”. O ‘boost’ econômico indica uma provável recusa nas ofertas prontas do Real Madrid pelo goleiro Gianluigi Buffon (€ 50 mi) e do Chelsea pelo meio-campista Gianluca Zambrotta (€ 30 milhões), que teriam de ser consideradas se não houvesse via de reverter o prejuízo.
Cada vez mais a pista Juventus-Cassano fica limpa para o verão europeu. O temperamental talento pugliese e o clube de Turim (através de seu técnico e alguns jogadores) já deram todas as pistas, e o principal nó continuava sendo o dinheiro para convencer a Roma a deixar Cassano partir. O contrato com a Tamoil é uma grande ajuda. Cassano é cada vez mais ‘bianconero’.
Pirlo garante uma Itália sem ‘punch’
É um lugar comum, mas merece ser dito: seleções que vencem as copas do mundo, normalmente sofrem nas Eliminatórias. Não se sabe se a Itália vencerá a Copa, mas pelo menos a segunda parte está garantida. Não, a Itália não colocou fora seus bofes para bater a Escócia em San Siro, no último sábado. Mas, como faz há tempos, a Itália ainda não teve uma atuação convincente e foi salva por duas cobranças de falta do milanista Pirlo.
Andrea Pirlo, aliás, é um dos jogadores que a ‘Azzurra’ parece não usar bem. No Milan, Pirlo é o regente da orquestra e, no plano europeu, tem poucos competidores. Tem uma visão fantástica, excelente passe, arremata bem e ainda melhorou bem sua capacidade de marcação. Na Itália, no entanto, raramente Pirlo consegue uma vaga de titular.
Faltando pouco mais de um ano para a Copa, a Itália ainda não tem sua espinha dorsal definida. Na defesa, tudo ok com Buffon no gol, e Nesta-Cannavaro na zaga. Zambrotta é o melhor nome para a esquerda (Chiellini é a alternativa), mas a lateral direita ainda está em aberto, com Bonera na primeira fila.
O grande problema segue sendo o meio-campo. Camoranesi é o único jogador certo no setor. A dúvida gira em torno do uso de Totti como atacante ou ‘trequartista’. Totti atacante abre uma vaga no meio-campo, mas tende a deixar o ataque fraco; com o romanista atrás dos atacantes, é preciso um meio-campo mais combativo.
A idéia de Lippi de usar o miolo de meio-campo do Milan (Pirlo e Gattuso), mais Camoranesi, como contra a Escócia, soa como a melhor, Isso porque Camoranesi pode garantir profundidade pela direita e vigor na marcação, e Pirlo e Gattuso se conhecem bem por jogarem juntos. Se o CT insistir nesta alternativa, estará seguindo a lógica.
– Nesta semana, como não houve rodada, a Trivela deixa de divulgar a seleção Trivela da semana.
– Em seu lugar, cita a escalação inicial da Itália contra a Escócia.
– Buffon; Bonera, Cannavaro, Materazzi e Chiellini; Camoranesi, Pirlo e Gattuso; Totti; Cassano e Gilardino.
– Boas novas para a Lazio no campo econômico.
– O clube segue bem na renegociação da sua dívida gigantesca com o Estado.
– São cerca de € 100 milhões, que o clube quer parcelar em 20 anos.
– O Milan deve recuperar Shevchenko para o primeiro derby europeu contra a Inter.
– Mas a Inter, com muita sorte, consegue escalar Adriano só para o segundo.