Não, caro leitor. O título da coluna desta semana poderia mesmo falar sobre a árdua batalha entre Juventus e Milan, que terminaram o primeiro turno separados por dois pontos. Contudo, o duelo de titãs não é no gramado, e sim no mundo da TV. A Itália promete uma briga virulenta nos próximos meses pelos espectadores de futebol, e os titãs em questão são as megapoderosas Sky, de Rupert Murdoch, e a Mediaset, da família Berlusconi.
A eclosão da bomba foi a notícia de que o lançamento do sistema de transmissão de TV digital terrestre na Itália (do qual participarão Mediaset e o Canal 7) terá como carro-chefe a transmissão ao vivo das partidas de futebol da Série A italiana, pelo sistema pay-per-view. Isso já era sabido. A novidade é que o espectador terá de pagar somente cerca de US$ 4 para assistir um jogo (menos do que um ingresso popular). A Sky sentiu o murro. E promete ofensiva.
Até aqui, a Sky era a detentora da exclusividade das transmissões do futebol, via satélite, na TV paga. A TV aberta na Itália não transmite nada da Série A ao vivo (somente a Copa Itália e os jogos da Seleção). Com a rasteira da Mediaset, a Sky perde, de uma hora para a outra, o seu maior trunfo no país.
O enredo tem detalhes maquiavélicos. A Sky entrou na Itália justamente a pedido de Adriano Galliani, presidente da Lega Calcio, a entidade formada pelos clubes das Série A e B. Galliani fez o “convite” a Murdoch para evitar a quebradeira das TVs pagas (Telepiú e Stream), que descobriram-se mal das pernas, dois anos atrás. Murdoch foi para a Itália e dominou o mercado.
Agora, é exatamente Galliani e a Lega que assistem a entrada da Mediaset no mercado, cobrando um preço em que farão a festa da uva, porque um pacote da Sky custa cerca de US$ 55. Com Menos da metade, o torcedor assiste todos os jogos do seu time no mês, pelo sistema da Mediaset, cujo cartão de decodificação deve ser vendido até em bancas de jornais.
A história fica ainda mais cabeluda se nos dermos conta que Adriano Galliani é o homem-forte do Milan, clube que era presidido pelo premiê Silvio Berlusconi, até poucas semanas (Berlusconi se afastou do Milan por causa de uma nova lei italiana que vigia o conflito de interesses). E, coincidência ou não, o mesmo Berlusconi é o dono da Mediaset, presidida pelo seu filho Piersilvio.
Salvo tenha um trunfo escondido, a Sky vai se ferrar gostoso na história. Isso porque pagou uma grana preta para ter a exclusividade do “calcio”, e agora pode ficar de mãos abanando. A empresa já ameaçou: se a Mediaset mantiver esta campanha agressiva, a SKy vai pagar 50% a menos na renovação dos direitos, em junho. A Mediaset, retrucou que, se a Sky ratear, a Mediaset cobre a diferença. E o pandemônio está instaurado.
Isso tudo sem falar que triplicarão o número de câmeras em campo (sim, cada emissora terá câmeras exclusivas), triplicarão o número de repórteres (o que fará com que os campos italianos se transformem num pardieiro como os do Brasil), e, suspeita-se, diminuirão drasticamente os públicos dos jogos, já que será muito mais barato acompanhar seu time pela TV do que ir ao campo, onde, além de pagar mais caro, o torcedor pode ser vítima da violência de algum “ultrá” marginal. As trombetas anunciam o apocalipse. Resta ver quem é que vai para o quinto dos infernos.
Cabeça a cabeça
E como não poderia deixar de ser, falemos de bola rolando. Neste último domingo, encerrou-se o primeiro turno do Italiano coma líder Juventus esbaforida com o Milan em seu cangote. Milan, que por sua vez, abateu uma Udinese atrevida em Milão com uma performance mais do que convincente.
Primeiro, a líder. A Juventus ainda não jogou espetacularmente bem. Mas desta vez não foi o suficiente para garantir três pontos. O time de Capello foi a Cagliari e dependeu de um gol de Emerson para fazer seu matemático 1 a 0. Só que a um minuto do fim, o velhusco Zola empatou a partida que marcou a volta de Trezeguet à Juve. A volta do francês implica em mudanças. Ou Capello muda o time (tirando Del Piero para dar lugar ao francês – Ibrahimovic é intocável), ou muda o esquema, jogando com três atacantes. Esta hipótese é menos provável.
Em Milão, o Milan se assustou com uma belíssima sapatada de Di Natale no ângulo de Dida, e a Udinese chegou a sonhar. O time ‘rossonero’, no entanto, mostrou o que é ser um time grande. Ignorou completamente o gol e dominou o jogo todo, chegando ao empate com Shevchenko, virando com um gol contra de Jankulovski (um gol patético, piorado pelo fato do tcheco estar contratado pelo Milan para a próxima temporada – o que criou muita fofoca), e fechando a fatura com um gol de Kaká.
Resumindo: em termos de pontuação, o primeiro turno não existiu para Juventus e Milan, a não ser pelo fato de que ambos fazem um torneio à parte. Dois pontos de diferença são marginais com 18 rodadas para o final. A Inter, com 11 pontos do Milan, e 13 da Juventus, tem chances matemáticas, mas seria necessária uma reação inédita na história.
E para constar, o jogo contra a Udinese foi exatamente na data em que “Il Capitano” Paolo Maldini comemorou 20 anos de sua primeira partida pelo Milan. Em 1985, quando entrou no segundo tempo, contra a mesma Udinese, mandado a campo pelo técnico Nils Liedholm – um dos mentores de Carlo Ancelotti – tinha 16 anos, e o jogo acabou em 1 a 1. 20 anos jogando a níveis estratosféricos, pelo mesmo clube (não exatamente um clube qualquer). A próxima marca que Maldini quer derrubar é a de maior número partidas jogadas na Série A – o recordista é Dino Zoff, com 570. Paolo Maldini tem 554.
Totti de saco cheio da torcida
Fim de jogo. A Roma mete cinco na orelha do Siena, em Siena, pela Copa Itália. O capitão Francesco Totti sai de campo com a cara fechada, e diz: “as pessoas não têm respeito”. Poderia ser um desabafo de cabeça quente, mas Totti confirmou a ameaça no dia seguinte, bem calmo. “Sim, fui ofendido pela torcida e não sei se aceito desculpas”.
A ofensa a que Totti se refere foi durante o jogo, paralisado pelo excesso de fumaça no campo de jogo. Totti se dirigiu à torcida para perguntar porque estavam acendendo “fumógenos” (espécie de fogos de artifício que produzem fumaça), e alguém arremessou uma garrafa d’água na sua direção. Felizmente, Totti estava atento e a desviou.
A bem da verdade, Francesco não agüenta mais ficar num time de médio porte, que teve um relâmpago de grandeza. Grandeza essa que lhe custou a sanidade financeira. E depois que voltou da Eurocopa, onde catarrou na cara de um dinamarquês, sua relação coma torcida sempre foi tensa, especialmente no início de temporada periclitante. O ápice foi no derby contra a Lazio, onde Di Canio, atacante da Lazio, foi fazer a saudação fascista embaixo da torcida romanista.
As torcidas organizadas também não estão facilitando. Historicamente guiadas por grupos de esquerda, as organizadas da Roma estão “sem cabeça” desde 1999. Não há uma liderança, e cada grupo faz o que quer, sem controle, e os grupos maiores são de direita, como as da Lazio.
Some-se à vontade de Totti e às presepadas da torcida, o fato de sua noiva Ilary Blasi morar em Milão, cidade onde o craque seria muito bem recebido, por Milan ou Inter. Os técnicos dos dois times já sinalizaram com um “bem-vindo”, e uma olhada na foto da moça ajuda a entender porque Totti está alvoroçado.
Desfecho? Certamente, em junho. O contrato de Totti termina em 2006, e se ele não quiser renovar a Roma terá de vende-lo. O Real Madrid, maior comprador de estrelas da Europa não tem mais onde colocar nenhuma, e ainda estaria negociando Robinho; o Chelsea sempre é uma possibilidade. Totti só renova se a Roma investir. Para investir, tem de vender Cassano, e bem. E talvez não baste. Se prepare porque a temporada da boataria está só começando.
Mutu-Juve-Cassano: “morte anunciada”
A Juventus anunciou na semana passada a contratação do craque-problema Adrian Mutu. Problema em termos, porque o romeno joga muita bola. Seus problemas com a cocaína, descobertos num exame anti-doping feito pelo próprio Chelsea, não parecem ter encerrado sua carreira. Longe disso. Ao assinar com a Juventus por um custo nulo. Mutu se recoloca no futebol que o projetou.
O romeno custou cerca de US$ 35 milhões ao Chelsea. Mas como Roman Abramovich não tem apego a essas coisas materiais, mandou o atacante embora. Diz-se na Inglaterra que a manobra teria sido arquitetada pelo próprio clube para se “livrar” do jogador, mas é difícil ver uma lógica na coisa – claro, se pensarmos em dinheiro.
Só que Mutu pode não estar se endereçando à Juventus, e sim, à Roma. O que se comenta é que a Juventus contratou Mutu para garantir que ele não assinará com nenhum outro time, e assim, o romeno poderia entrar numa negociação com a Roma, onde Cassano seguiria Capello até Turim. Com Mutu na jogada – tendo custado zero – a Juve pode até fazer uma oferta alta pelo talento rebelde de Cassano sem ter de fazer folias monetárias.
E se não for assim, a presença de Mutu na Juventus até que seria possível, porque se trata de um baita jogador. Administra-lo com Trezeguet, Ibrahimovic e Del Piero é que seria o problema, mas se Carlo Ancelotti, no Milan, administra Shevchenko, Pippo Inzaghi, Crespo e Tomasson, por que não?
Curiosidade: quando Nils Liedholm, técnico do Milan, perguntou em 1985 para Maldini, qual a posição em que ele queria jogar, o então “filho do Cesare” respondeu que queria jogar na lateral-direita.
Liedholm também foi um mito ‘rossonero’: fez parte do maior ataque de todos os tempos, o “Gre-No-Li”, junto com dois conterrâneos suecos, Gren e Nordahl
– Outra curiosidade sobre Maldini, 37 anos
– O jogador é o atleta do Milan que mais atuou nesta temporada
– O Milan tem uma vantagem para convencer Totti, caso ele queira sair da Roma
– A Mediaset, da família Berlusconi, teria muito prazer em dar a Ilary Blasi um programa de auditório, daqueles bem maletescos e populares na Itália
– Ainda na linha de recordistas de presenças na Série A, o goleiro Pagliuca completou sua 550a partida na divisão, com o Bologna
– Matteo Ferrari, da Roma, chegou à partida 200
– Nas primeiras 19 rodadas, 55 pênaltis marcados
– Nenhum deles contra a Juventus
– Esta é a seleção Trivela da última rodada do primeiro turno, a 19a
– Buffon (Juventus); Dainelli (Fiorentina), Nesta (Milan), Vargas (Livorno) e Maldini (Milan); Kaká (Milan), Baronio (Chievo), Emerson (Juventus) e Bresciano (Parma); Miccoli (Fiorentina) e Montella (Roma)