O céu é o limite

Todo ano, a briga pelo título na Itália é sangrenta. Até às últimas rodadas (às vees até à última), os titãs italianos se esmurram para poder tecer o ‘scudetto’ na camisa do ano seguinte. É, isso sempre acontece. Mas nesta temporada, tudo indica que vai haver mais luta, mais disputa, mais sangue.

A conclusão é óbvia, porque as campanhas de reforços de Juventus, Milan e Inter foram simplesmente peso-pesado. Nenhum dos três times ficou olhando o sol se por no horizonte. Jogaram dinheiro em cima da mesa, caçaram na Europa e abriram um pequeno hiato em relação à Roma, e um maior em relação à Lazio.

Comecemos pela Juventus. A Juve é sempre favorita em qualquer torneio que entrar. Agora, se aliou à Fabio Capello. Juntou a fome e a vontade de comer. Para reforçar a sua defesa (maior problema na última temporada), arregimentou Zebina (ex-Roma), Chiellini (ex-Livorno e jogador promissor) e repatriou Bonnefoi (que estava emprestado ao Messina).

Para compensar a saída de Davids (outro fator de desequilíbrio na temporada passada), a Juve repatriou Blasi e Brighi (jovens, mas já experientes), e se esforça para contratar o brasileiro Emerson, o único jogador do mundo tratado como inválido em seu país, mas disputado por Juventus e Real Madrid. No ataque, Capello está seguro, com Trezeguet de contrato novo, Miccoli e Del Piero, e ainda a possibilidade de ter mais um nome.

Inter e Milan: derbys inesquecíveis por vir

O Milan já saiu em vantagem sobre os adversários. Tinha a base mais sólida da Itália, e não perdeu nenhum nome relevante. Como se não bastasse, contratou o gigante Jaap Stam (que deve formar a defesa mais forte do mundo com Cafu, Nesta e Maldini), o meio-campista Dhorasoo (ainda subvalorizado, mas jogador impotantíssimo do Lyon tricampeão francês), além de obter de volta de empréstimo os jovens Sarr e Aubemayang.

Para completar, o Milan está muito próximo de acertar com Hernán Crespo, (ex-Chelsea, Lazio e Parma). Crespo foi lapidado por Ancelotti no Parma, e os dois são muito próximos. Dessa forma, o Milan teria um setor ofensivo formado por Shevchenko, Inzaghi, Tomasson e Crespo. Mais aquele meio-campo que todo mundo já conhece, com os “mammasantissime” Seedorf, Pirlo, Gattuso, Kaká, Rui Costa…

A Inter foi a que mais gastou (puxa, que novidade!), para montar mais uma vez um time novinho. Contratou um treinador a peso de ouro (Roberto Mancini, a € 2,5 milhões por ano), e praticamente refez o time. Na defesa, o lateral Favalli e o central Burdisso; no meio-campo, Cambiasso (ex-Real Madrid), Davids e Verón (sem esquecermos que Stankovic já tinha chegado em janeiro). No ataque, Adriano e Vieri, com uma fila de reservas que dá a volta em Milano Centrale.

A Roma investe num técnico que trabalha com jovens e, basicamente, em jovens de sua divisão de base. Bovo, Ferronetti (defensores), Aquillani (meio-campista), Tulli, Sturba (atacantes), são alguns deles, além do defensor parmigiano Ferrari. E ainda tenta Gilardino (que só deve ser contratado caso Emerson vá embora). Tudo com a regência de Cassano e Totti. E a Lazio teve de ceder à sua crise, se desfazendo de nomes como Fiore, Stam, Favalli e Corradi, buscando alternativas baratas como o macedônio Pandev.

Favoritos? Milan e Juventus, com a Inter logo atrás, no vácuo. O time ‘nerazzurro’ deve perder algum tempo para se acertar, ao passo que a Juve tem uma base relativamente acertada e o Milan não vai mexer em praticamente nada. Sem sombra de dúvida, a Série A deve ter o torneio mais duro entre as grandes ligas européias.

Brasileiros, depressão e contratos rasgados

Dois anos atrás, o brasileiro Jardel inventou um presépio para sair do Sporting. Apresentou-se no clube com “depressão”, dizia-se de cama, sofrendo a separação da esposa. Todos sabiam, à época, que o que o atacante queria mesmo era uma transação para outro clube, mas era impedido pelo seu contrato.

Agora, é Emerson, um de seus companheiros no Grêmio de Luis Felipe Scolari, que parece estar sendo atacado pela mesma “depressão”. O brasileiro não se reapresentou à Roma na data marcada, enviando um atestado médico, segundo o qual também estaria com “depressão”. Curiosamente, Juve e Roma travam um braço-de-ferro pelo seu futebol. A Juve quer comprar, mas a Roma só vende sob suas condições (Blasi mais uma soma equivalente a € 10 milhões em dinheiro vivo).

Um fato curioso é que Blasi cresceu nas divisões inferiores da Roma, foi emprestado ao Lecce e depois comprado pelo Perugia. Agora, a Roma se dispõe a pagar pelo jogador que dispensou, cerca de € 6 milhões (o valor de Emerson estaria sendo cotado em € 16 mi).

Um outro fato, este, absolutamente desagradável de se constatar, é como os jogadores de futebol (em particular, os brasileiros – embora o hábito seja internacional) enxergam os contratos que assinam. Para eles, aquele pedaço de papel lhes garante somente que seu salário milionário será pago em dia, mas jamais que, através do mesmo termo, o atleta se compromete a prestar seus serviços ao seu clube, se somente ao seu clube.

Edmundo tentou fazer presepada similar em 1998, na Fiorentina, não se apresentando e dizendo que “queria ser vendido”. O então presidente do clube, Cecchi Gori, retrucou: “bem, então ele pode considerar a carreira dele encerrada, porque pagarei todos os seus salários, mas ele não jogará por nenhum outro time através desta chantagem”. Edmundo enfiou o rabo entre as pernas e ponto. Cecchi Gori acertou na profecia. Nunca mais Edmundo jogou bola. Mas isso é outra história.

Ao dar ouvidos aos conselhos de agentes ávidos por uma gorda transferência, Emerson só está maculando a sua ficha profissional. Se tem contrato com a Roma, tem a obrigação de cumpri-lo até que entre em acordo com o clube. Espetáculos teatrais com atestados médicos servem bem pouco para melhorar a atmosfera do episódio. E, é claro, são tratados com o devido (pouco) respeito.

Crise Lazio; abismo Napoli

Com a aproximação da data final para a regulamentação dos clubes junto à Federcalcio, aqueles times que estão mais na pindaíba começam a ter ter calafrios na espinha, porque clubes com débitos que não se encaixam nos balanços não têm o registro aceito. Ou seja: vão para o saco.

Entre os grandes clubes italianos, pelo menos dois estão com a situação no vermelho (contas no vermelho, quase todos estão, mas esses estão BEM no vermelho). O primeiro é a Lazio, engolfada dois anos atrás pela crise de sua empresa mantenedora, a Cirio. A Lazio teve dois anos bons dentro do campo (na medida do possível), mas o rombo ainda é bem arregaçador.

Para que o time de Formello consiga se inscrever no torneio da Série A, precisa levantar nada menos do que € 33 milhões, entre débitos particulares ou com o governo. A data final é 19 de julho. Até lá, o clube procura incessantemente um novo dono, um novo empréstimo ou um milagre qualquer. Sem o registro, a coisa vai para o buraco.

No Napoli a situação é pior. As dívidas são bem piores do que as da Lazio (na relação dívidas-patrimônio), o empresário Salvatore Naldi já torrou o que tinha e teve de pedir água, e o único pirilampo que apareceu querendo “salvar” o Napoli é Luciano Gaucci, que acaba de rebaixar o Perugia. A raposa querendo tomar conta do galinheiro.

Às pressas, as autoridades da cidade convocaram alguns homens de negócios para poder formar uma “holding” que fosse capaz de inscrever o Napoli na Série B. O primeiro nome é o de Francesco Floro Flores, presidente do Capri (cidade famosa por suas praias), ao qual se juntariam pelo menos mais três empresários. Dá para salvar? Não se sabe. Só dá para dizer que o Napoli é a quarta torcida da Itália. Isso dimensiona bem a gravidade da questão.

Curtas

Poucas horas antes da publicaçãop desta coluna, estourou o milésimo escândalo na Itália.

O MP italiano, depois de investigações sobre apostas, fraudes e resultados comprados, indiciou dois árbitros da Série A, Marco Gabriele e Luca Palanca

Os dois teriam “dado uma força” para que o Messina subisse de divisão.

E pelo que parece, num primeiro momento, as provas contra os dois iriam além da tradicional choradeira

A Roma dá como certa a transferência de Philippe Mexés, do Auxerre, mas a Federação Francesa entrou com um pedido de anulação da transação

O clube italiano apelou para a FIFA

O mediano Andrea Pirlo, do Milan, tinha sido escolhido pelo treinador Claudio Gentile como um dos três jogadores acima da idade de 23 anos que iriam com a Itália às Olimpíadas

Ao saber disso, o técnico do Milan, Carlo Ancelotti, disse que faz questão de Pirlo com o time, para a pré-temporada

Ainda não se bateu o martelo, mas é quase certo que Pirlo não vá para Atenas

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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