Grazie, Nike!

Depois do empate melancólico com a Dinamarca, que de certa forma começou a determinar a sorte da Itália na Euro, a torcida italiana poderia perfeitamente ter dito a frase que dá título a este excerto. Sim, a patrocinadora de nove entre dez dos maiores craques do futebol mundial, teve uma participação importante naquela partida. Infelizmente, para todos, negativa.

Quem assistiu à partida entre dinamarqueses e italianos, certamente não reconheceu o camisa 10 da Itália, Francesco Totti. O craque romanista vagou em campo como um zumbi, e não incidiu em nada. Aos 30min do segundo tempo, finalmente Totti saiu de campo, trocou de chuteira, e mais nada. Um jogo para se esquecer.

Logo depois do jogo, a esperada entrevista do craque foi surpreendentemente reveladora. “Não dava para jogar com aquela chuteira. Meus pés estão em carne-viva. Sei que há obrigações contratuais, mas a esta altura, talvez tenhamos de achar um acordo, porque assim não vai dar”.

A estupefação tomou conta do ambiente. Quer dizer que o maior jogador italiano não pôde jogar porque as suas chuteiras ultra-tecnológicas deixaram seu pé como uma brachola? Pois é. Totti usa uma Nike Air Zoom total 90 III, a terceira geração desta chuteira, e que deveria ser a vedete do Europeu, mas depois desta torrada de filme, provavelmente será esquecida em alguma gaveta.

A Nike respondeu duro. Mandou três especialistas do seu centro de desenvolvimento, que responderam mais duro ainda. “A culpa não é da chuteira, mas das meias”. Detalhe: as meias usadas por Totti na ‘Azzurra’ são feitas pela Puma, patrocinadora da Seleção. A Puma, por sua vez, respondeu o óbvio: entre os 23 jogadores, o único que teve problemas foi Totti, com a sua Nike Air Zoom total 90 III…

Naquele mesmo jogo, como já se sabe, Totti foi flagrado dando uma catarrada na cara do dinamarquês Poulsen, que lhe valeu três jogos de suspensão. Não dá para estabelecer um vínculo direto entre as bolhas de seus pés e a perda de calma do jogador, mas também não é um raciocínio assim absurdo imaginar que as labaredas que comiam seus pés ajudaram a perder a calma.

A concorrência não deixou por menos. Uma outra marca de material esportivo fez uma propaganda onde apareciam os pés de cinco de seus patrocinados (supostamente), que estão no Europeu, com uma frase, onde os mesmos se solidarizavam com as dores dos pés de Totti. Propaganda melhor, a Nike não poderia imaginar.

Então a culpa é da Nike?

Uma coisa precisa ficar bem clara. A empresa de material esportivo norte-americano é uma firma como outra qualquer. Quer lucro, faz ofertas (suntuosas) para ter craques carregando seus equipamentos, e assina quem quer. E não dá para ninguém lembrar de Totti reclamando dos € 700 mil anuais que vão para a sua conta, em decorrência deste contrato.

Claro que a culpa não é da Nike, mas mais uma vez, o espaço para a polêmica está aberto como uma rosa. Assim como quando o brasileiro Ronaldo se esfalfa para cumprir suas obrigações publicitárias, é provável que a empresa acabe sendo condenada pela imprensa e torcida como a responsável sobre a desgraça que se abateu sobre Totti (e, consequentemente, sobre a Itália).

Só que o caso é de pensar como, num evento que envolve centenas de milhões de dólares, ninguém, nem da patrocinadora da seleção, nem do patrocinador particular de Totti, nem da seleção italiana, se preocupou em dar tratos à bola. Aí, o cidadão teve de jogar com os seus pés como se estivessem num ralador de queijo.

“Que chuteira o escambau”, rebateu o ‘delicado’ Gattuso. “Os quenianos correm até descalços. O problema da Itália é de todos, não da chuteira de Totti”. O siciliano Gattuso não está de todo errado, só que, caso a Itália venha a ser desclassificada (hipótese nada improvável), o imbróglio da briga tosca entre patrocinadores jamais será esquecido como ingrediente no fracasso da seleção.

Totti foi condenadíssimo pela cuspida em Poulsen, com razão. Mas o “profissionalismo” do jogador também deveria levar em conta os milhões de italianos que querem vê-lo jogar bem, e não se está com a chuteira X, ou com a meia Y. Do episódio, bom seria que as empresas revissem suas estratégias de marketing. A concorrência jamais poderia esperar uma propaganda melhor do que a que rolou a custo zero.

Pela porta dos fundos; mas Firenze é Série A

Não foi o retorno que os torcedores mais sérios desejariam, mas a realidade é que a Fiorentina está de volta à Série A, somente dois anos depois de ter sido rebaixada à quarta divisão.Uma vitória em Perugia e um empate no Artemio Franchi recolocaram o time “viola” na elite do futebol italiano.

A festa foi estrondosa, mas não pára aí. Para o ano que vem, o clube, agora reforçado com o caixa do milionário Diego Della Valle, já pensa em reforços de peso para o time. Um entre todos atiça a imaginação dos torcedores: Gabriel Batistuta, que deixou o clube em 2000 para ser campeão em Roma. De volta do Qatar, “Bati” já disse que está disposto a jogar mais uma temporada na Fiorentina, lugar em que mantém sua casa, e jura, vai viver o resto da vida.

O espectro de contratações da Fiorentina não se restringe ao seu ídolo. Já há negociações com Lazio e Roma para se levar à Firenze o atacante Simone Inzaghi (Lazio), o meia Gaetano D’Agostino e o zagueiro Csare Bovo (ambos da Roma). Entre os nomes mais famosos, também está o de Hidetoshi Nakata, que o Parma não pode suportar pagar, e o Bologna não tem grana para comprar.

Na lista de boatos de possíveis contratações, ainda estão o zagueiro Barzagli (Chievo, recentemente campeão europeu sub-21), cribari (Empoli), o meia-atacante Di Natale (Empoli) e até o brasileiro Dudu Cearense, cuja performance pífia no pré-Olímpico, certamente não está na fita de “melhores momentos” que os dirigentes da Fiorentina receberam.

Técnico? Emiliano Mondonico guiou a reta final da Fiorentina, mas os dois nomes mais prováveis são os de Alberto Zaccheroni (recém-saído da Inter) e Serse Cosmi (rebaixado com o Perugia). Opinião desta coluna: Cosmi seria o ideal. É jovem, conhece futebol, sabe trabalhar com jovens e sem estrelas e poderia abrir um ciclo na Fiorentina. Ainda que de modo meio escuso, que seja bem-vinda de volta, a Fiorentina do mestre Claudio Carsughi.

Ânimos incandescentes na Casa Azzurra

Depois do empate na bacia das almas contra a Suécia (mais um resultado com a cara de ultra-mega-super-extra-cautela do técnico Giovanni Trapattoni – para não dizer medo), o leite azedou na ‘Casa Azzurra”, a concentração da Itália. A imprensa divulgou um suposto bate-boca entre Vieri e Buffon e o atacante da Inter ficou uma arara.

“Não falo mais com a imprensa neste Europeu. Vocês (a imprensa) não têm o direito de mentir assim. Sou muito mais homem do que vocês todos juntos”, berrou Vieri na sua última aparição na coletiva, antes de levantar da mesa e ir embora, deixando um clima incandescente atrás de si.

A realidade é que a Itália sabe que não depende mais de si para se classificar, e isso deixa todos ali com os nervos à flor da pele. Para piorar, além do “cuspidor” Totti, Trapattoni não poderá contar com Cannavaro e Gattuso, vitais para o sistema defensivo italiano. E, talvez, nem com Vieri, que está sentindo dores na perna, e Perrotta, que treina separadamente desde domingo.

Os reservas dos três devem ser Materazzi na zaga, Fiore no meio-campo e Corradi no ataque. Ok, Fiore e Corradi não são ruins, mas a Itália perde consideravelmente. Já com Materazzi, a perda é maior. Para quem se lembra, a Itália desabou defensivamente quando, na Copa de 2002, Materazzi entrou no lugar do contundido Nesta.

A Itália, contra a Suécia, não foi mal no primeiro tempo, graças, especialmente, às entradas de Cassano e Gattuso. Pirlo impôs um ritmo totalmente diferente ao jogo, mas só pode fazer isso porque tinha seu cão de guarda milanista ao seu lado. Os canhões agora estão virados para Del Piero, que ainda não deu o ar da graça na Euro. Se ele não for decisivo contra a Bulgária, é bem possível que Trapattoni não tenha nem mesmo que escolher se ele vai ou não para o banco no jogo seguinte. Isso porque não haverá jogo seguinte…

Curtas

O técnico tcheco Zdenek Zeman está de volta à Série A, comandando o Lecce

Zeman é conhecido pelo seu conceito ofensivo de futebol e pelas frases ácidas. Abaixo, estão algumas delas, selecionadas pela “Gazzetta Dello Sport”, na semana passada

“Todos se perguntam se eu venceria com o time de Capello; mas ninguém se pergiunta o que Capello faria com um de meus times”

“Às vezes os perdedores ensinam mais do que os vencedores; penso de ter dado algo mais e divertido a torcida”

“Se eu fosse pai de Del Piero, me preocuparia muito com meu filho” (quando insinuou o doping no futebol)

“Dificilmente minto. Por isso, me sinto tão sozinho; nesse mundo se mente a toda hora”

“A mentalidade não vence sem um esquema, como um esquema não vence sem a mentalidade”

“O 4-3-3 é o esquema mais racional de se cobrir os espaços do campo; e não há jogador que não possa desempenha-lo”

“Não importa o quanto você corre, mas para onde corre e por que corre”

“Arrumei muitos inimigos na minha carreira. Melhor assim. Eles reepresentam um estímulo”

“Quando eu era pequeno, e jogava em Praga, me disseram: ‘vá para aquela posição, e nunca naquele jogador’. Desde então, não mudei mais de idéia, e por isso, meus times só marcam por zona”

“Não é verdade que não gosto de vencer; é que eu gosto de vencer respeitando as regras”

“Jamais mudei. As coisas que dão certo não devem mudar”

“No Napoli, não tínhamos nem bolas para treinar”

“Fiquei preocupado com o Napoli quando, para o meu lugar, chegou um treinador (ndr, Emiliano Mondonico), que, meses antes, tinha sido definido pelo diretor do Napoli como ‘o pior do mundo’

“É, é a carne que tem a nandrolona que aparece nos exames anti-doping. Vamos continuar a culpar os porcos…”

“Nos meus times não jogam atletas dopados”

“Se joga há tanto tempo com marcação por zona. A marcação homem a homem não é usada por ninguém; alguns treinadores marcam por zona e não sabem”

“Falei com Totti, Nedved e Nesta para eles virem a Salerno; estou aguardando uma resposta…” (quando treinou a Salernitana, na Série B)

“Não consigo dividir o conceito de jogar bem e de vencer; se você jogar pior do que o seu adversário, como pode pensar em vencer?”

“Se meu time perde 30 jogos, mas eu vejo que os jogadores estão dando o máximo, fico tão contente quanto se tivéssemos vencido”

“Os cinco melhores jogadores italianos? Totti, Totti, Totti, Totti e Totti”

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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