Metade já foi!

Se ainda estivéssemos na metade dos anos noventa, a conquista do título de inverno do futebol italiano, por parte da Roma, significaria 90% da conquista do ‘scudetto’. Isso porque, historicamente, quem chegou à frente no final do primeiro turno, venceu o campeonato em maio (até 1997, a proporção era de 9 vezes em dez).

Mas dos últimos seis campeonatos, somente em duas oportunidades o campeão de inverno venceu o ‘scudetto’. Em 1998, a Juventus de Zidane tinha vencido o primeiro turno; em 2001, a Roma de Batistuta, também. Nas outras quatro oportunidades, o campeão atropelou na reta final.

Hoje, a proporção dos ‘scudetti’ conquistados pelo campeão de inverno caiu para 67%. A campanha da Roma é, incontestavelmente, excepcional. Contudo, esta coluna segue colocando Juventus e Milan como favoritos ao título deste ano, contrariando a opinião de plantão na imprensa. Sem “achismo”.

Fabio Capello é, historicamente, um treinador que organiza as campanhas de seus times “em fuga”. Ou seja: prefere arrancar na frente e administrar a distância de três ou quatro pontos durante todo o torneio. Foi assim na conquista de todos seus títulos no Milan e assim na conquista do título da Roma em 2001. Mas nesta temporada, assim como no título de inverno de 2002, o time de Trigoria não tem vantagem numérica ou quase isso (três pontos acima da Juve e do Milan, mas com os ‘rossoneri’ com um jogo a menos).

Francesco Totti foi o artífice de uma campanha excelente (leia o excerto abaixo). É o artilheiro da Roma com onze gols (seu recorde histórico é de quatorze tentos numa temporada), e vice-artilheiro do Italiano, mesmo sem jogar como atacante puro. É pouco provável que Totti repita o seu primeiro turno, e sem ele, Capello não tem nenhum jogador (aparentemente) em condições de fazer o salto de qualidade, ao passo que Juve e Milan têm vários craques que ainda não atingiram os seus auges (Pippo Inzaghi e Del Piero, por exemplo).

A Roma será assombrada neste segundo turno, sem sombra de dúvida, por ofertas milionárias pelos seus campeões. Fabio Capello, Emerson, Samuel e Christian Chivu serão assediados insistentemente. A prática mostra que tal assédio prejudica as performances dos atletas (que o digam Stankovic e Davids), e a Roma, entre os quatro grandes, é o único sem condições de bancar investidas milionárias.

Os indícios de trovoadas sobre o futuro romanista não tiram as chances da Roma, nem a colocam como o azarão do páreo. Como sempre, a Roma, para vencer um campeonato, precisa fazer um esforço maior do que Milan e Juve, para tirar a diferença que existe entre os clubes. Teremos um segundo turno sensacional, provavelmente, o mais ferrenho entre os grandes torneios europeus. Essa é a única certeza.

Totti e mais dez

Sendo ou não sendo romanista, não dá para não apreciar o talento de Francesco Totti, hoje, espinha dorsal e cérebro desta Roma de Capello, que chegou ao título de inverno depois de uma briga feroz com Juventus e Milan. A campanha de 17 jogos e 13 vitórias ilustra o rendimento deste time.

O time merece aplausos, sem dúvida. Mancine se adaptou excepcionalmente bem à ala-direita (embora compara-lo com Cafu ainda seja uma pataquada típica de imprensa esportiva); Samuel é um dos melhores centrais da Europa; Emerson tem o respeito de 191 países no mundo (adivinhe qual o único onde ele é tido como uma besta?). Mas sem Totti, a Roma briga para não ficar fora da próxima Liga dos Campeões, e nada mais.

O capitão romanista é o tipo do jogador que bate o escanteio e corre para cabebecear. Se a sua presença nos últimos anos tem sido essencial, neste ano passou a ser mais que isso. Totti é o jogador que dá criatividade ao meio-campo, incisividade ao ataque, e até mesmo mais tranqüilidade à defesa, pois os adversários não se lançam à frente com tanta sede.

O momento do meio-campista italiano hoje é, até aqui, o melhor em sua carreira. Estivesse numa equipe grande do futebol europeu, como o Manchester United, ou o Real Madrid, e é muito provável que Totti já tivesse vencido a Bola de Ouro. Se bem que, como disse Michel Platini, é difícil saber como o craque se comportaria numa cidade que não fosse a sua cidade natal.

Na atual temporada, Totti se supera, porque além de tudo, ainda supre a carência que a Roma tem de um centroavante eficaz (Montella esteve machucado por bastante tempo, e Carew está se adaptando somente agora). Seus 11 gols sugerem um recorde individual antes de junho. Caso o craque não se machuque, a marca ainda é possível.

Luta dura na rabeira

Um mês atrás e o campeonato estava com dois times praticamente rebaixados. Empoli e Ancona começaram devagar-quase-parando, enquanto a maioria dos outros times já ia granjeando pontos. No fim do primeiro turno, o Ancona ainda está no fundo do poço, semi-morto, com cinco pontos em 51 possíveis. Mas o Empoli puxou a faca e quer sangue.

O time toscano começa a dar sinais de reação da chegara do técnico Attilio Perotti, que sempre opera muito bem em times menores. O Empoli deve se reforçar com o atacante Maccarone, do Middlesbrough, e na partida com a Inter, em San Siro, lembrou o bom Empoli do ano passado.

Discurso similar se faz com o Lecce. Delio Rossi já recebeu alguns reforços, como o goleiro Sicignano e os meias Bolaño e Wilfried Dalmat (irmão de Stephane Dalmat, da Inter, emprestado ao Tottenham). Some-se a isso, a promessa búlgara Valeri Bojinov fez seu primeiro gol na Série A, e promete mais. Bojinov tem 17 anos e é apontado como uma das figuras mais talentosas da nova geração.

Enquanto isso, o Ancona continua se arrastando, e no último domingo, apresentou o brasileiro Mario Jardel, que fisicamente, parece ter uns cem quilos. Jardel foi liberado pelo Bolton, e é uma aposta desesperada do Ancona para encerrar seu vexame. Junto com o Ancona, também dá vexame o Perugia, que não venceu até aqui na Série A. Mas também, o que se poderia esperar de um time que contrata o filho de Gheddafi, tenta contratar uma mulher para jogar com homens (a título de marketing), e tem histórico em viradas de mesa?

Se levarmos em conta que somente dois times caem direto para a Série B (o terceiro disputa um desempate com o terceiro melhor da Série B), a luta contra o rebaixamento segue sendo entre seis times: Modena e Reggina (17 pontos), Lecce e Empoli (12 pontos), Perugia (10 pontos) e Ancona (5).

Inferno Inter: o problema era Cúper?

Dois meses atrás, achar alguém que falasse mal de Hector Cúper era mais fácil do que encontrar um sapo num brejo. Segundo esses entendidos, o treinador argentino, com sua “retranca” (n.do r.: a mesma retranca que fez do Mallorca finalista da Recopa e do Valencia duas vezes finalista da Liga dos Campeões), era o culpado por todos os males da Inter. Olhe de novo e pense bem se era isso mesmo…

A Inter mergulhou de cabeça numa crise infernal. Empatou em 0 a 0 com a Udinese pela Copa Itália (Vieri se recusou a jogar e causou o maior sururu), e perdeu para o Empoli em casa (com Vieri de castigo). Todo o jogo burocrático e sem vontade da Inter da última década voltaram à tona. E desta vez não tem Cúper para se por a culpa.

A visceral complicação interista é um misto de distorção de sua diretoria (recheada de ex-boleiros que estão longe de ser uma solução para qualquer coisa) e de caos histórico, uma marca do time de Via Durini. Não há nu clube ‘nerazzurro’ algo próximo do que se possa chamar de ‘disciplina’, e que diga-se de passagem, Hector Cúper tentou implantar quando era o chefe da comissão técnica.

O eterno fracasso interista agora aponta para Vieri como culpado, mas antes já apontou, além do ex-treinador argentino, para Seedorf, Pirlo, Ronaldo, Roberto Carlos e tantos outros. Na verdade, como disse o ex-craque Bergomi, na Inter os jogadores sempre podem dar suas desculpas e nada acontece. Daí, o caos reinante, resultado de uma falta de responsabilidades atroz, e que passa, em imensa parte, pela gestão da dupla de ex-jogadores e hoje dirigentes, Facchetti e Oriali.

A diretoria interista estuda algumas possibilidades. Uma delas é a de dar a Alberto Zaccheroni um poder ilimitado para torrificar quem quer que seja, no elenco, na comissão técnica, na diretoria. Essa saída soa racional, porque a limpeza poderia ser feita de cabo a rabo.

Outra possibilidade é a que se consiste na enésima demissão de treinador em junho (diga-se Zaccheroni), para a chegada de um outro (que poderia ser Roberto Mancini, hoje na Lazio). Tal medida já foi tomada em muitas outras oportunidades. E como sabemos, não deu nem um pouco certo.

Curtas

Gol de número 185 para Giuseppe Signori, hoje no Bologna

Signori disse que não para enquanto não fizer 200 gols

Na mão de Carlo Mazzone, seu treinador no Bologna, não duvide

Luigi Sartor estreou no Ancona, perfazendo sua 150a partida na Série A; Lamouchi (Inter) e Di Michele (Reggina) chegaram ao número 100

Ancona e Perugia não venceram nenhuma vez no primeiro turno, o que pode dizer bastante sobre os candidatos ao rebaixamento

O Milan teve a melhor campanha fora de casa: nenhuma derrota, dois empates e seis vitórias

Nunca um time campeão de inverno tinha feito 42 pontos no primeiro turno

Recuperação nítida para o Bologna, vencedor pela terceira semana seguida

Os desentendimentos de Vieri com a Inter suscitaram muitos boatos na semana que passou

Até mesmo se imaginou o atacante no Milan

Como se diz na Itália, é “fantacalcio”

Mais uma vez, os jogadores na Inter comeram no cortado com a torcida pedindo explicações

E eis a seleção Trivela desta semana

Zotti (Roma); Diana (Sampdoria), Montero (Juventus) e Pancaro (Milan); Nakata (Bologna), Campedelli (Modena), Kaká (Milan) e Mintari (Udinese); Totti (Roma); Del Piero (Juventus) e Bojinov (Lecce).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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